Polo — Como se tu também, Sócrates, não preferisses ter a liberdade de fazer na cidade o que bem te parecesse a não poder fazê-lo, e não tivesses inveja de quem vês matar alguém, ou privá-lo de seus bens, ou pô-lo a ferros.
Sócrates — De que jeito entendes isso: com justiça ou injustamente?
Polo — De qualquer forma que seja, em ambos os casos não é para invejar?
Sócrates — Não digas isso, Polo!
Polo — Como assim?
Sócrates — Porque não devemos invejar nem os que não são para invejar, nem os infelizes, porém compadecermo-nos deles.
Polo — Como! Achas que estão nesse caso as pessoas a que me referi?
Sócrates — Como não?
Polo — Então, és de opinião que o indivíduo que mata quem bem lhe apraz, se o faz com justiça é infeliz e digno de piedade?
Sócrates — Isso não; porém não me parece digno de inveja.
Polo — Não disseste agora mesmo que era infeliz?
Sócrates — Sim, meu caro; se matar alguém injustamente; mais, ainda: é digno de piedade. Quem o faz com justiça não é para invejar.
Polo — A ser assim, quem morre injustamente é que é infeliz e digno de piedade?
Sócrates — Menos do que quem o mata, Polo, e menos ainda do que o que morre justamente.
Polo — Como assim, Sócrates?
Sócrates — É que o maior dos males é cometer alguma injustiça.
Polo — Esse é o maior? Não é sofrer injustiça?
Sócrates — De forma alguma.
Polo — Então, preferirias sofrer alguma injustiça a praticá-la?
Sócrates — Por meu gosto, nem uma coisa nem outra; porém, se me visse obrigado a optar entre praticar alguma injustiça ou sofrê-la, preferiria sofrê-la, não praticá-la.
Polo — Então, não aceitarias ser tirano?
Sócrates — Não, se por tirano entendes o mesmo que eu.
Polo — O que entendo por isso é o que disse há pouco: o poder de fazer alguém o que quiser na cidade: matar, exilar e agir a seu bel-prazer.
Sócrates — Meu caro Polo, depois de eu falar, poderás refutar-me. Imaginemos que na hora em que o mercado está mais cheio de gente, com um punhal debaixo do braço eu te dissesse: Polo, neste momento adquiri um poder maravilhoso e me tornei tirano. Se eu achar que deve morrer imediatamente qualquer destes homens que vês aí, no mesmo instante ele morrerá; se for de parecer que é preciso partir a cabeça de qualquer deles, na mesma hora ficará com a cabeça quebrada; ou. rasgar-lhe as roupas, e estas serão rasgadas, tão grande é o meu poder na cidade. E se pusesses em dúvida minhas palavras e eu te mostrasse o punhal, decerto me observarias: Desse modo, Sócrates, não há quem não seja poderoso, pois com semelhante força conseguirias incendiar a casa de qualquer pessoa, os arsenais e as trirremes dos atenienses, e todos os navios, assim públicos como particulares. Porém dispor de um grande poder não é fazer cada um o que lhe apraz. Que te parece?
Polo — Desse jeito, não, evidentemente.
Sócrates — Poderás dizer-me sob que aspecto condenas semelhante poder?
Polo — Posso.
Sócrates — Qual é? Fala.
Polo — Porque forçosamente seria punido quem procedesse dessa maneira.
Sócrates — E ser punido não é um mal?
Polo — Sem dúvida.
Sócrates — Assim, varão admirável, volta a parecer-te que tem grande poder quem faz o que quer e disso aufere vantagens. Nisso consiste, quero crer, ser poderosos. Caso contrário, é um mal e deixa de ser poder.