Consideremos também o seguinte: Não reconhecemos que às vezes é melhor fazer tudo aquilo que dissemos: matar os outros, bani-los, confiscar-lhes os bens, e às vezes não fazê-lo?
Polo — Perfeitamente.
Sócrates — Pelo que se vê, nesse ponto estamos de acordo.
Polo — Sim.
Sócrates — Na tua opinião, quando é melhor proceder dessa maneira?
Polo — Prefiro, Sócrates, que tu mesmo respondas a essa pergunta.
Sócrates — Então, Polo, se te é mais agradável ouvir-me falar, direi que é melhor quando alguém procede com justiça, sendo um mal, quando se trata de um ato injusto.
Polo — Difícil coisa é contestar-te; mas até uma criança não poderia refutar-te neste caso?
Sócrates — Ficarei gratíssimo a essa criança, como também a ti, se me refutardes e me desembaraçardes de minha tolice. Por isso, não tenhas como incômodo fazer bem a um amigo; refuta -me.
Polo — Então, Sócrates, não haverá necessidade de rebater com fatos antigos o que afirmas. Os acontecimentos de ontem e de anteontem serão suficientes para refutar-te e mostrar que são felizes muitas pessoas que cometem injustiça.
Sócrates — Que acontecimentos são esses?
Polo — Não vês Arquelau, filho de Perdicas, governar a Macedônia?
Sócrates — Pelo menos, tenho ouvido falar nele.
Polo — Como te parece que seja? Feliz ou infeliz?
Sócrates — Não posso sabê-lo, Polo. Nunca convivi com ele.
Polo — Como! Se tivesses convivido com ele, saberias; e por outras pessoas, daqui mesmo, não poderás saber se ele é feliz?
Sócrates — Não, por Zeus.
Polo — Pelo visto, Sócrates, vai dizer que não sabes nem mesmo se o Grande Rei é feliz.
Sócrates — E só diria a verdade, pois sou de todo ignorante no que respeita à sua educação e à justiça.
Polo — Como assim! A felicidade só consiste nisso?
Sócrates — É como digo, Polo; considero feliz quem é honesto e bom, quer seja homem, quer seja mulher; o desonesto e mau é infeliz.
Polo — Nesse caso, de acordo com o teu modo de pensar, Arquelau é infeliz?
Sócrates — Sim, amigo; se for injusto.
Polo — E como poderá deixar de ser injusto? Não tinha nenhum direito ao trono que ora ocupa, por haver nascido de uma escrava de Alcetas, irmão de Perdicas. Por lei, ele era também escravo de Alcetas, e se quisesse proceder honestamente, continuaria servindo Alcetas, e seria feliz, de acordo com tua doutrina. Ao invés disso, tornou-se infelicíssimo, por haver cometido as maiores injustiças. Para começar, mandou chamar o seu senhor e tio, sob o pretexto de restituir-lhe o trono que Perdicas lhe havia usurpado; depois de hospedá-lo e a seu filho Alexandre, de quem era primo e da mesma idade que ele, embriagou-os e, metendo-os numa carreta, removeu-os durante a noite, matou-os e fez desaparecer os seus corpos. Cometido esse crime, não se apercebeu de que se havia tornado o mais infeliz dos homens, nem teve remorsos. Pouco tempo depois, apoderou-se do seu próprio irmão, filho legítimo de Perdicas, menino de uns sete anos de idade, que por lei viria a herdar o trono, e em vez de permitir que se tornasse feliz e de educá-lo, como de justiça, para depois passar-lhe o poder, jogou-o num poço e o afogou, indo, após, contar a Cleópatra, sua mãe, que ele caíra no poço e se afogara, quando corria atrás de um ganso. Presentemente, longe de ser o mais feliz dos Macedônios, é o mais infeliz, havendo decerto muitos atenienses, a começar por ti, que prefeririam ser qualquer outro Macedônio a ser Arquelau.