Górgias 482c-483a — Sofismo de Sócrates

Cálicles — Sócrates, dá-me a impressão de que te exibes em teus discursos como o fazem os oradores populares. Mas só declamas dessa forma por haver Polo incidido no mesmo erro que ele censurou em Górgias, quando da discussão deste contigo. Com efeito, Polo disse que Górgias, ao lhe formulares a hipótese de procurá-lo alguém que não conhecesse a justiça, para estudar retórica com ele, se lha ensinaria, respondera afirmativamente por simples modéstia e consideração à opinião dos homens, que protestariam no caso de alguém dar resposta diferente. Com semelhante concessão, viu-se Górgias forçado a contradizer-se, que é com o que mais te deliciais. Naquela altura, com toda a razão, a meu ver, zombou ele de ti; mas agora, por sua vez, cometeu falta idêntica; eis por que não posso mostrar-me satisfeito com Polo, por haver ele concordado que é mais feio cometer injustiça do que ser vítima de injustiça. Foi justamente por causa dessa concessão que ele se viu enleado na discussão contigo e obrigado a calar-se, por ter acanhamento de dizer o que pensa. Tu, Sócrates, que te apresentas como adepto da verdade, é que expões teus argumentos por maneira vulgar e indecorosa, sobre o que não é belo por natureza, mas apenas segundo a lei. Pois, na maioria das vezes, acham-se em oposição a natureza e a lei. Assim, ver-se-á forçado a contradizer-se quem, por acanhamento, não se atrever a dizer o que pensa. Percebeste isso muito bem, e daí procurares tirar partido na discussão. Se alguém se refere à lei, metes na conversa a natureza, e se é sobre a natureza que ele fala, passam tuas perguntas a girar em torno da lei.