Foi o que se deu há pouco com relação a praticar alguém ato injusto ou ser vitima de injustiça: enquanto Polo se referia ao que há de mais feio segundo a lei, tu o assediavas referindo-te à natureza. Pois, segundo a natureza, tudo o que é mais feio é também pior, como, por exemplo, sofrer injustiça, enquanto, segundo a lei, será cometer algum ato injusto. Nem é condição normal do homem sofrer injustiça, mas apenas de escravo, a quem melhor fora morrer do que viver, pois, ofendido e espezinhado, não é capaz de defender-se nem de amparar os que lhe são caros. No meu modo de pensar, as leis foram instituídas pelos fracos e pelas maiorias. É para eles e no interesse próprio que são feitas as leis e distribuídos elogios, onde haja o que elogiar, ou censuras, sempre que houver algo para censurar. E para incutir medo nos homens fortes e, por isso mesmo, capazes de alcançar mais do que eles, e impedir que tal consigam, declaram ser feio e injusto vir alguém a ter mais do que o devido, pois nisto, precisamente, é que consiste a injustiça; querer ter mais do que os outros. Conscientes da sua própria inferioridade, contentam-se, quero crer, em ter tanto quanto os outros.
Por isso, de acordo com a lei, é denominado feio e injusto querer ter mais do que a maioria, ao que foi dado o nome de injustiça. Mas a própria natureza, segundo creio, se incumbe de provar que é justo ter mais o indivíduo de maior nobreza do que o vilão, e o mais forte do que o mais fraco. Com abundância exemplos, ela mostra que as coisas se passam desse modo e que tanto entre os animais como entre os homens, nas cidades e em todas as raças, manda a justiça que os mais fortes dominem os inferiores e tenham mais do que eles. De fato, com que direito invadiu Xerxes a Hélade ou o pai dele a Cítia? Fora fácil citar milhares de exemplos semelhantes. A meu ver, toda essa gente assim procede segundo a natureza, porém não, decerto, segundo as leis que nós mesmos arbitrariamente instituímos O impomos aos melhores e mais fortes do nosso meio, dos quais nos apoderamos desde os mais tenros anos, como fazemos com o leão, para domesticá-lo com encantamentos ou fórmulas mágicas, e convencê-los de que devem contentar-se com a igualdade, pois nisso, precisamente, consiste o belo e o justo. Na minha opinião, porém, quando surge um indivíduo de natureza bastante forte para abalar e desfazer todos esses empecilhos e alcançar a liberdade, pisa em nossas fórmulas, regras e encantamentos, e todas as leis contrárias à natureza, e, revoltando-se, vemos transformar-se em dono de todos nós o que antes era nosso escravo: é quando brilha com o seu maior fulgor o direito da natureza. Quer parecer-me que Píndaro afirma isso mesmo na Ode em que diz:
Rainha é a lei de tudo o que há no mundo:
dos deuses, dos mortais.
ela, acrescenta, que
com seu pulso de ferro justifica
os mais violentos atos. Como prova,
de Héracles cito os feitos. Sem comprado ter nenhum…
O sentido é mais ou menos esse; não sei de cor a Ode. O que ele quer dizer é que, sem ter comprado nem ganho os bois de Gerião, tocou-os por diante, como coisa muito natural, e que, por direito, pertencem ao superior e mais forte os bois e demais haveres dos fracos.