Górgias 503d-504d — Importância da ordem, do arranjo e da proporção

Sócrates — Se procurares com empenho, acharás o que dizer. Consideremos calmamente se algum dos que mencionamos há pouco se encontrava nessas condições. Não é verdade que o homem correto só tem em mira o bem quando discursa, sem nunca falar ao acaso, mas com determinado fim? Comporta -se como os demais artesãos, que, sem perderem de vista o próprio trabalho, nunca reúnem por acaso o material de que se servem, mas sempre com a intenção de imprimir uma forma particular em tudo o que manipulam. É o que poderás ver nos pintores, nos arquitetos, nos construtores de navios e em qualquer outro trabalhador que entenderes, pois coloca no lugar preciso a peça de que lança mão e a obriga a justar-se e a ficar em harmonia com as mais próximas, até compor um todo bem feito e equilibrado. Isso se observa com todos os artesãos, particularmente com aqueles a quem há pouco nos referimos e que tratam do corpo. Aceitamos que é assim mesmo, ou não?

Cálicles — Não tenho nenhuma objeção a apresentar.

Sócrates — Uma casa, portanto, em que haja regularidade e ordem, é boa; se houver desordem, será má?

Cálicles — De acordo.

Sócrates — O mesmo vale para um navio?

Cálicles — Sim.

Sócrates — E não é também o que dizemos com relação ao nosso corpo?

Cálicles — Perfeitamente.

Sócrates — E a alma? Será boa quando nela predominar a desordem, ou quando estiver em ordem e harmonia?

Cálicles — A última hipótese é que decorre necessariamente do que dissemos antes.

Sócrates — E que nome damos no corpo ao efeito resultante da ordem e da harmonia?

Cálicles — Referes-te, sem dúvida, à saúde e à robustez?

Sócrates — Isso mesmo. E o efeito da harmonia e da ordem na alma? Como no caso anterior, esforça-te para encontrar o nome e enunciá -lo.

Cálicles — Por que tu mesmo não o dizes, Sócrates?

Sócrates — Se assim o preferes, vou fazê-lo. Mas só concordes comigo se achares que estou certo; caso contrário, refuta -me e manifesta o teu desacordo. Segundo o meu modo de pensar, o nome de são é o que convém à ordem regular do corpo, de que decorre saúde e as outras virtudes corpóreas. Está certo, ou não?

Cálicles — Está.

Sócrates — A ordem e a harmonia da alma têm o nome de legalidade e lei, que é o que deixa os homens justos e ordeiros, e vem a ser, precisamente, justiça e temperança. Aceitas isso, ou não?

Cálicles — Pode ser.

Postagens em