Górgias 527a-527e — Epílogo

É possível que consideres tudo isso uma simples história de velhas, que só merece o teu desprezo. Não fora nada extraordinário que nós também a desprezássemos, se em nossas investigações encontrássemos algo melhor e mais verdadeiro. Mas, como viste, vós três, os mais sábios Helenos do nosso tempo, tu, Polo e Górgias, não fostes capazes de demonstrar que devemos viver uma vida diferente desta, que se nos revelou vantajosa até mesmo no outro mundo. Entre tantos argumentos desenvolvidos, to dos foram refutados, tendo sido este o único que se manteve firme, a saber, que devemos com mais empenho precaver-nos de cometer injustiça do que de ser vítima de injustiça, e que cada um de nós deve esforçar-se, acima de tudo, não para parecer que é bom, mas para sê-lo realmente, tanto na vida particular como na pública. Se alguém se tornar mau sob qualquer aspecto, deverá ser castigado, sendo esse o segundo bem depois do de ser justo, que é tornar se justo por meio do castigo e da expiação da culpa; que toda adulação deve ser evitada, tanto com relação a si próprio como a estranhos, quer sejam poucos, quer muitos, e que tanto a faculdade de bem falar como os demais recursos desse gênero só devem ser empregados a serviço da justiça. Aceita, portanto, meu conselho, e acompanha-me para onde, uma vez chegado, serás feliz, assim na vida como na morte, conforme nosso argumento o certifica. Deixa que te desprezem como insensato, que te insulte quem quiser insultar, sim, por Zeus, recebe sem perturbar-te até mesmo aquele tapa ignominioso; não virás a sofrer mal nenhum, se fores um homem verdadeiramente bom e se praticares a virtude. E depois de a termos praticado em comum, se julgarmos conveniente, dedicar-nos-emos à política ou ao que melhor nos parecer, o que decidiremos oportunamente, quando para isso ficarmos mais aptos do que estamos agora. Pois é vergonhoso, sendo nós o que mostramos ser neste momento, blasonar como se valêssemos alguma coisa, quando nem sequer pensamos do mesmo modo sobre qualquer assunto, principalmente os de mais importância, tão grande é nossa ignorância! Tomemos como guia a verdade que acaba de nos ser revelada e que nos indica ser a melhor maneira de viver a que consiste na prática da justiça e das demais virtudes, na vida como na morte. Aceitemos essa norma de vida e exortemos os outros a fazer o mesmo, não aquela em que confias e que me aconselhaste a seguir. Porque essa, Cálicles, é carecente de valor.