Para Heráclito, o lugar predileto da história é o do adversário inominado, a quem Parmênides se oporia, expressis verbis, no frg. 6. Porém, o mais que desses versos se infere é que eles poderiam referir-se a Heráclito (Mansfeld, cap. i), se demonstrável fosse, mediante provas internas ou externas, que Heráclito cronologicamente precedeu Parmênides, e ainda, que Parmênides tivesse conhecimento da obra de Heráclito. Mas «a data de Heráclito tem de assentar em mera conjectura, a sua cronologia relativa, em provas internas, valham o que valerem tais provas. Na história da filologia clássica, poucas fantasias têm tão picante ironia, quanto a ainda demasiado frequente confiança em provas externas, para datar Parmênides após Heráclito» (Stokes, One and Many in Presocratic Philosophy, Cambridge, Mass., 1971, p. 109). E quanto a provas internas: «pode dizer-se, por exemplo, que, se Parmênides conhecia a obra de Heráclito, seria possível, talvez mesmo provável, que Parmênides tinha Heráclito em mente, como principal representante de alguma das concepções que rejeita. Resta-nos algumas ‘reminiscências’ verbais, cujo efeito, se algum têm, há-de ser, evidentemente considerado como acumulativo. Se há filólogos que prefiram decidir-se pelo efeito acumulativo, pouco ou nada se poderá fazer no sentido de que mudem de opinião. Mas o efeito acumulativo de ‘nadas’ é coisa nenhuma, e pode legitimamente duvidar-se que alguma das alegadas reminiscências tenham qualquer efeito; seria excessivamente difícil especificar uma só passagem de Parmênides que necessite a postulação de uma referência a Heráclito, para torná-la inteligível ou evidente. Se Parmênides e Heráclito têm em comum alguns elementos vocabulares, isso nada prova; ambos eram gregos, ambos pelo menos no essencial, escreveram em dialeto jônico, e eram próximos contemporâneos. Não posso achar qualquer razão para supor que qualquer um tivesse conhecimento do outro» (ibid., pp. 126-127). (Eudoro de Sousa, “Horizonte e Complementaridade”)