Hermes de sandálias aladas tinha por pai a Zeus, o espaço celeste de onde proveem os ventos e, por mãe, a Maia, uma Ninfa das chuvas. As águas do Céu, com efeito, escapando do seio cavernoso das nuvens, parecem dar nascimento e empurrar à sua frente o Deus do vento, Hermes.
Dizem que esse divino mensageiro nasceu na Arcádia, em uma gruta sombreada, que se abria, vasta e profunda, nas altas encostas do Monte Cilene. Mal nasceu, livrou-se dos cueiros, saiu da caverna e partiu para a montanha. Não longe da gruta em que nascera, encontrou, por acaso, uma tartaruga que se arrastava, lentamente, enquanto pastava as flores do prado. Hermes agarrou-a e voltou para a caverna. Com um ferro resplandecente, esvaziou o corpo do animal, recobriu-o com um flexível couro de boi; depois, cortando hastes de cana, passou-as através da concha mosqueada, adaptou a essa carapaça dois braços atados por um belo cavalete, distendeu sete cordas sobre fortes cravelhas e assim construiu o instrumento melodioso que, sob o nome de lira, deveria acompanhar a dança e aumentar a alegria ruidosa dos festins. Hermes acariciou as cordas bem tesas e delas tirou um som maravilhoso e encantador. Entusiasmado, o Deus pôs-se a cantar. Celebrou em versos harmoniosos, acompanhados pelos acordes da lira, os amores de Zeus e de Maia, a beleza das Ninfas de cabelos perfumados que habitavam a gruta em que nascera. Aí começa uma série de episódios da lenda de Hermes.
Deus viajante, predestinado a estar sempre de partida para levar a todos os lugares as mensagens de Zeus, Hermes tornou-se, em consequência, o Deus que servia de guia aos homens em viagem e que protegia a segurança das vias de comunicação. Sua estátua erguia-se nos lugares em que os caminhos se bifurcam, e os marcos que balizam as estradas eram-lhe consagrados. De protetor de viagens, Hermes, em seguida, passou a ser considerado como o Deus do tráfego, do negócio e do lucro. Era ele, com efeito, que, dirigindo os ventos que inflavam os velames e impeliam as querenas, conduzia os comerciantes de um balcão para outro, prodigalizando-lhes grandes negócios. Entretanto, malgrado suas numerosas e diversas atribuições, era sobretudo o papel de mensageiro dos Deuses que constituía o apanágio essencial de Hermes. Mas, por ser o intérprete cujo dever era transmitir e explicar os desejos divinos, o filho de Maia devia possuir, para bem desempenhar-se das funções a seu cargo, a elocução clara, a palavra exata e o dom soberano da persuasão. Tornou-se, pois, a esse título, o Deus da eloquência e da arte oratória.
Como Hermes tivesse também necessidade, para levar as ordens que lhe eram confiadas, de um corpo ágil, dotado de elasticidade e de rapidez, esse Deus de formas esguias tornou-se o ideal que a mocidade ateniense, nos exercícios que tornavam flexíveis os membros, unindo a força à graça, jamais cessou de tomar como modelo. Não satisfeito de tratar dos negócios dos homens quando em vida, Hermes, após a morte, ocupava-se ainda deles. Os antigos, com efeito, comparavam a alma humana a um sopro. No momento do desenlace, esse sopro evolava-se. Hermes, então, recolhia-o nos ares, e o levava com sua varinha de ouro até os supremos juízes, que tinham assento nos Infernos.
O deus Thot, egípcio é considerado como equivalente a Hermes, e inclusive citado como o inventor da escrita em mito relatado por Sócrates no Fedro. Sob a inspiração deste deus, em Alexandria “grega” nos primeiros séculos depois de Cristo, surgiram vários escritos que vieram a alimentar uma tradição denominada Hermetismo, e foram reunidos em uma coleção sob o título de Corpus hermeticum.
(Mario Meunier)