Excerto de KINGSLEY, Peter. Reality. Inverness: The Golden Sufi Center, 2003, p. 514-516.
Tudo tem seu nome apropriado. E há uma expressão que se encaixa na perfeição ao estado extraordinário de consciência (awareness) que Empédocles tinha em mente.
Trata-se de “senso comum”, expressão tão casual e ilusivamente familiar, que, no entanto, tem um antigo e respeitável pedigree. Sensus communis em latim traduz koine aisthesis em grego, que por sua vez tem mais de dois mil anos de uso.
A história desta expressão pode resumir em grande parte a história do pensamento ocidental, todo nosso aprendizado, nosso conhecimento e nossos equívocos intelectuais.
Para Empédocles a descoberta do “senso comum” — dessa consciência que é capaz de ouvir e ver e tocar e sentir e saborear ao mesmo tempo — era uma questão de experiência direta. E “experienciar” (aisthesis) era dar início ao despertar do sonho caótico da existência humana. Mas esta consciência era e ainda é tão rara, tão exigente sobre o que somos, tão incompreensível para as pessoas em geral, porque tão distante do alcance de nossas mentes vagueantes, que o único caminho para se ter acesso a ela é através de um guia que tenha superado a simples condição humana.
A mente humana é um instrumento maravilhosos, projetado para nos ajudar a operar em um mundo de total ilusão. Mas isso também significa que seu poder para iludir não tem limites, e uma coisa que nunca fará é deixar por conta própria o que se apresenta fora de seu domínio.
Ao invés disso, irá automaticamente distorcer qualquer realidade que abordar; convertê-la em alguma outra coisa. E isto é justamente o que acontece com o senso comum.
Para Aristóteles, por volta de cem anos após Empédocles, a questão do que coordena nossos sentidos se tornou um problema teórico intrigante: um problema que honestamente pensava que poderia responder bastando pensá-lo através da mente racional. Mas o ponto crítico que falhava em se dar conta é que a faculdade do raciocínio em que colocava sua confiança, que pessoalmente tanto fez por desenvolver e cultivar, é um poder infinitamente ardiloso.
E sua grande auto-ilusão foi convencer a si mesmo que o que ele não possuía já era seu.
Para Empédocles, o aprendizado em como perceber a si mesmo percebendo, era provido como parte de uma transmissão iniciática, de mestre a discípulo. Mas para Aristóteles tal transmissão era desnecessária por uma simples razão. Ele confiantemente assumia que esta consciência, o senso comum, é algo que nós humanos já dispomos.
Citando palavras que ele mesmo gostava de usar: “Quem quer que veja, percebe que vê e quem quer que ouve, está consciente que está ouvindo, e quem quer que ande, está consciente que anda. E semelhantemente com o que quer que façamos, há algo que nos percebe funcionando. Assim quando quer que percebamos, percebemos que estamos percebendo; e quando quer que pensemos estamos conscientes de pensar”.
Poucas coisas podem soar mais razoáveis — e, de fato, serem mais inverdades. Pois, aparte talvez de um brevíssimo momento que vem e vai tão rápido quanto o raio, podemos estar conscientes do que estamos pensando ou percebendo mas nunca do ato de pensar ou perceber.
Só pensamos que somos. Tudo que fazemos é deixar que nossas mentes criem a elaborada ficção que somos; e então esta ilusão asseguradora nos ajuda a nos imergir por um tempo mais em nosso sonho.
Assim a consciência [awareness] de um senso comum foi subitamente não mais especial. Nada a se esforçar por porque todos supostamente já a tinham, embora ninguém a tivesse. E depois de Aristóteles o resto do processo foi tão inevitável quanto a trajetória de uma bola quicando degrau a degrau descendo uma escada.
Logo a expressão “senso comum” nem mesmo mais tinha um sentido filosófico reconhecível. Vagava, ao invés, para se tornar uma das mais comum trivialidades como um pedaço de papel levado pelo vento.
O que uma vez foi uma técnica extraordinária de meditação era agora algo perfeitamente ordinário: tanto que toda pessoa razoável a possuía sem, claro, ser capaz de bem dizer o que é.