Descida/subida (katabasis/anabasis)

O tema da descida e subida constitui em Platão, repetidas vezes e em diferentes níveis, um expressivo princípio estrutural da organização do diálogo. O início da República (327a-b) já introduz, por exemplo, o tema da descida (ao Pireu) e reascensão (à cidade) no nível da ação exterior da narrativa-moldura do diálogo; enquanto o próprio diálogo corresponde, num eixo simétrico, à construção conceitual e à subsequente desconstrução de uma POLIS no espírito. No vértice desse movimento do diálogo no Livro VI da República, o “símile da caverna” versa sobre a subida para fora da caverna até a luz solar do saber (515e) e a nova descida pedagógica, desde a luz do Sol ao mundo do fogo feito pelo homem, do qual, vale notar, já se havia falado no trecho 327a numa antecipação temática 511b-c esboça, no contexto do símile da linha, o conhecimento último no campo das ideias com a imagem de uma subida à ideia do bem, a qual dispensa hipóteses (aqui se encontra o termo epibasis, ou seja, “acesso para subir”), e de uma nova descida (katabasis), segundo as regras da dialética, até a apreensão completa dos nexos das ideias. Para a formação da tradição foi determinante a discussão ontológica do Parmênides, que numa passagem ar-gumentativa (137c-142a) constrói o Um em definições positivas (a assim chamada catáfase, de kataphêmi, afirmar, dizer sim), mas em seguida as nega sob nova perspectiva (a assim chamada apófase, de apophêmi: negar); essas duas passagens argumentativas formam, elas próprias, apenas os elementos da abrangente discussão de uma suposição fundamental catafática e de suas consequências (onto) lógicas (“Se o Um é”: Parm. 137c), às quais se segue e se contrapõe a discussão de uma suposição apofática (“Se o Um não é”: Parm. 160b). (SCHÄFER)


Plotino professa a preexistência das almas humanas na Alma Universal, denominada hèn kai pollà. Diz o filósofo: “(…) éramos lá (ekei) almas (individuais) puras e unidas à essência inteira (= psychê universal) e partes dela” (En. VI, 4, 14, 19-20).

A alma separou-se do mundo inteligível devido à tólma, isto é, à audácia, que consiste no desejo de ser independente. Isso levou-a à queda num corpo. Como Platão, o filósofo de Licópolis explica a união da alma com o corpo, não como substancial, mas como justaposição, como composto. Ambos relacionam-se pela sympátheia (En. VI, 4. 3, 19-20). E mais: “O corpo é cárcere e sepultura para a alma” (desmòs tò soma kai táphos: En. IV, 8, 3, 3-4). Consequência imediata da preexistência da alma é o problema da origem das ideias, expresso com termos do vocabulário platônico: “reminiscência obscura”, e aristotélico: passagem de potência para ato (ek dynámeôs eis enérgeian iénai). A alma possui os seres de alguma maneira (pôs échei: En. IV, 6, 3, 16). (Excertos de “Plotino, um estudo das Enéadas”, de R. A. Ullmann)


Segundo Brisson & Pradeau, convém distinguir no caso da alma dois tipos de descida: uma primeira descida, necessária do ponto de vista ontológico, quando a alma se liga a um corpo, em seguida as descidas que a alma efetua, quando ela se volta voluntariamente para os corpos ao invés de para o Intelecto. Quando destas descidas, a vontade da alma se manifesta, e é também, a seu nível, a responsabilidade do ser humano que se encontra engajado. O primeiro tipo de descida é aquele da alma do mundo, o segundo aquele das almas particulares.


VIDE: Tratado 6