arete (Mesquita)

O estabelecimento de uma tradução consensual do termo arete é quase tão difícil como a de eidos. Todavia, a inadequação da tradução por «virtude», que provém de uma etimologia latina distinta e tem óbvias conotações estranhas à cultura grega e ao próprio uso filosófico e platônico do conceito, quer no seu valor etimológico estrito, quer na sua posterior conotação cristã, leva-nos a optar pela versão generalizada «excelência», já vulgarizada em português, que, embora longe de satisfazer completamente, oferece a vantagem de respeitar a ligação etimológica provável de arete com areion e ariston, respectivamente comparativo e superlativo de agathon.


O problema que imediatamente ressalta naqueles que são hoje comum-mente considerados os primeiros diálogos de Platão é o da determinação do sentido da excelência ou de uma das suas partes: na sua enumeração mais corrente e simultaneamente mais completa, a justiça (dikaiosyne, dikaiotes), a coragem (andreia), a temperança ou moderação (sophrosyne), a piedade (osion, osiotes) e a sabedoria (sophia, episteme, phronesis).

A enumeração canônica consta do Prt., 349ab. O Laques, o Górgias, o Eutidemo e o Mênon, se bem que parcelarmente, registam também estas cinco partes da arete, de que a justiça é a mais constante (V. La., 198a, 199d; Grg., 506e-507e e cf. 477d; Euthd., 279ac; Men., 73ac, 79a e também 74a, 78de, 88a; cf. Phd., 69c). O Mênon é igualmente o único a acrescentar três outras aretai (a generosidade, megaloprepeia, 74a, 88a; a facilidade em aprender, eumathia, e a memória, mneme, 88a, que, noutro contexto, voltam a surgir na República VI 485e-487a, e na Carta VII 344ad, como as qualidades do filósofo) e o Lísis trata exclusivamente de uma espécie particular de excelência, a amizade (philia). Os restantes diálogos socráticos fornecem apenas registos incompletos do quadro assim definido. Na República IV 427e, sistematiza-se esta lição a partir de uma descrição cardeal da arete, comportando como partes a sabedoria, a coragem, a temperança e a justiça e desaparecendo a piedade, presumivelmente englobada na justiça, de acordo com a sugestão do Eutifron, 11e-14b; semelhante descrição regressa mais tarde nas Leis XII 965d, no contexto de uma retomada do problema da unidade da excelência (declarada a partir de I, 630d-632d). Uma última palavra acerca da expressão sophrosyne: as dificuldades filológicas, históricas e filosóficas associadas à tradução deste termo, nomeadamente no contexto do Cármides, levam-nos a conservá-lo, daqui para diante, sempre no original.