Em terceiro lugar, Henry More não compreende a “sutileza singular” da negação por Descartes da existência de átomos, de sua afirmação da divisibilidade indefinida da matéria, combinada com a utilização de concepções corpusculares em sua própria física. Dizer que a admissão de átomos significa limitar a onipotência de Deus, e que não podemos negar que Deus poderia, se desejasse, dividir os átomos em partes menores, de nada adianta: a indivisibilidade dos átomos significa sua indivisibilidade por qualquer poder criado, e isso é uma coisa perfeitamente compatível com o poder de Deus de fazê-lo, se Ele assim desejasse. Há muitíssimas coisas que Ele poderia ter feito, mas não fez, ou mesmo coisas que Ele pode fazer, mas não faz. Com efeito, se Deus desejasse preservar sua onipotência em seu estado absoluto, nunca teria criado a matéria: pois, sendo a matéria divisível sempre em partes que são elas próprias divisíveis, é claro que Deus nunca poderá levar essa divisão ao fim e que haverá sempre alguma coisa que foge à Sua onipotência.
Henry More tem razão, evidentemente, e o próprio Descartes, ainda que insistindo na onipotência de Deus e se recusando a crê-la limitada ou restrita, até mesmo pelas regras da lógica e da matemática, não pode deixar de declarar que há muitas coisas que Deus não pode fazer, seja porque fazê-las seria, ou implicaria, uma imperfeição (assim, por exemplo, Deus não pode mentir nem enganar), seja porque seria absurdo. É precisamente por isso, afirma Descartes, que nem mesmo Deus pode fazer um vazio ou um átomo. Sem dúvida, segundo Descartes, Deus poderia ter criado um mundo diferente e poderia ter feito com que dois mais dois fosse igual a cinco,e não a quatro. Por outro lado, é igualmente verdadeiro que Ele não fez isso e que neste mundo nem Deus pode fazer com que dois mais dois sejam qualquer outra coisa senão quatro.
A julgar pela direção geral dessas objeções, é óbvio que More, filósofo platônico, ou antes neoplatônico, estava profundamente influenciado pela tradição do atomismo grego, o que não é surpreendente em vista do fato de uma de suas primeiras obras levar o título revelador de Democritus Platonissans…
O que ele deseja é precisamente evitar a geometrização cartesiana do ser, e manter a antiga distinção entre o espaço e as coisas que estão no espaço; que se movem no espaço e não somente umas em relação às outras; que ocupam espaço em virtude de uma qualidade ou força especial e própria — a impenetrabilidade —, pela qual resistem umas às outras, de seus respectivos “lugares”:
Estas são, grosso modo, concepções democriteanas, o que explica a profunda semelhança entre as objeções que More opõe a Descartes e aquelas que lhe foram feitas por Gassendi, o principal representante do atomismo no século XVII. Entretanto, Henry More não é um democriteano puro. Não reduz o ser à matéria. E seu espaço não é o vazio infinito de Lucrécio: é cheio, mas não de “éter”, como o espaço infinito de Bruno. É cheio de Deus, e num certo sentido é o Próprio Deus, como veremos mais claramente adiante.