Henry More, é desnecessário dizer, não ficou convencido — um filósofo raramente convence outro. Persistiu, assim, em acreditar “com todos os platonistas da Antiguidade”, que todas as substâncias, os anjos, as almas e Deus têm extensão, e que o mundo, no sentido mais literal da palavra, está em Deus, tanto quanto Deus está no mundo. Consequentemente, More enviou a Descartes uma terceira carta, que foi respondida, e uma quarta, que ficou sem resposta. Não tentarei examiná-las aqui, uma vez que tratam de problemas que, conquanto interessantes em si — por exemplo, a discussão sobre o movimento e o repouso —, estão fora de nosso assunto.
Resumindo, podemos dizer que vimos Descartes, sob a pressão de More, modificar um pouco sua posição inicial: afirmar a indefinidade do mundo, ou do espaço, não significa, negativamente, que talvez ele possua limites que somos incapazes de verificar; significa, positivamente, que o mundo não possui limite algum, porquanto seria contraditório postulá-los. Mas ele não pode ir além. Tem de manter sua distinção entre a infinitude de Deus e a indefinidade do mundo, assim como sua identificação entre extensão e matéria, se desejar manter sua afirmativa de que o mundo físico é objeto de pura intelecção e, ao mesmo tempo, de imaginação — a precondição da ciência cartesiana — e de que o mundo, a despeito de sua falta de limites, nos remete a Deus como seu criador e sua causa.
A infinitude, com efeito, sempre foi a característica, ou o atributo, essencial de Deus, principalmente a partir de Duns Scotus, que só pôde aceitar a célebre prova apriorística da existência de Deus de santo Anselmo (prova renovada por Descartes) depois de a “colorir” pela substituição do conceito anselmiano de um ser tal que não possamos conceber um maior (ens quo maius cogitari nequit) pelo conceito de um ser infinito (ens infinitum). Assim — e isso é particularmente verdadeiro para Descartes, cujo Deus existe em virtude da infinita “superabundância de Sua essência” que Lhe permite ser Sua própria causa (causa sui) e dar Sua própria existência —, a infinitude significa ou implica o ser, e até o ser necessário. Portanto, não pode ser atribuída à criatura. A distinção, ou oposição, entre Deus e criatura é paralela e exatamente equivalente àquela do ser infinito e do ser finito.