Nada disso se aplica a Deus ou a nossas almas, que não são objetos da imaginação, senão de puro entendimento, e que não possuem partes separadas, principalmente partes de tamanho e forma determinadas. A falta de extensão é precisamente a razão pela qual Deus, a alma humana e qualquer número de anjos podem estar juntos no mesmo lugar. Quanto aos átomos e ao vazio, é seguro afirmar que, sendo nossa inteligência finita e o poder de Deus infinito, não nos convém impor-lhe limites. Assim, devemos resolutamente assegurar “que Deus pode fazer tudo quanto concebemos ser possível, mas que Ele não pode fazer aquilo que repugna à nossa maneira de conceber.” Não é menos verdade, entretanto, que só podemos julgar segundo nossos conceitos, e que, como repugna à nossa maneira de pensar conceber que, se toda a matéria fosse removida de um recipiente, permaneceriam ainda a extensão, a distância etc, ou que as partes da matéria sejam indivisíveis, dizemos simplesmente que tudo isso implica contradição.
A dizer a verdade, a tentativa de Descartes de salvar a onipotência de Deus e, não obstante, negar a possibilidade de espaço vazio como incompatível com nossa maneira de pensar, está longe de convincente. O Deus cartesiano é um Deus verax, que garante a verdade de nossas ideias claras e distintas. É por isso que repugna a nosso pensamento, bem como é também impossível, que qualquer coisa cujo caráter contraditório vemos claramente seja real. Não há objetos contraditórios neste mundo, ainda que possa haver em outros.