Se o mundo não existisse, tampouco existiria o tempo. À afirmativa de More de que o intermundium duraria algum tempo, Descartes responde:
Creio que implica contradição conceber uma duração entre a destruição do primeiro mundo e a criação do segundo; pois se referirmos essa duração, ou qualquer coisa de semelhante; à sucessão das ideias de Deus, isso será um erro de nosso intelecto e não uma verdadeira percepção de alguma coisa.
Com efeito, isso significaria introduzir o tempo em Deus, tornando-O assim um ser temporal, mutável. Significaria negar Sua eternidade, substituindo-a pela simples sempiternidade — erro não menos grave que o de considerá-Lo uma coisa extensa. Pois em ambos os casos Deus fica ameaçado de perder sua transcendência, de tornar-se imanente ao mundo.
Ora, o Deus de Descartes talvez não seja o Deus cristão, e sim um Deus filosófico. Ele é, não obstante, Deus ,e não a alma do mundo, que o penetra, anima e move. Por conseguinte, Descartes sustenta, em consonância com a tradição medieval, que a despeito de o poder e a essência de Deus serem uma coisa só — uma identidade destacada por More em favor da extensão real de Deus —, Deus nada tem em comum com o mundo real. Ele é um espírito puro, um espírito infinito, cuja própria infinitude tem uma natureza única e incomparável, não quantitativa e não dimensional, infinitude da qual a extensão espacial não é nem imagem nem símbolo. O mundo, portanto, não deve ser chamado de infinito, se bem que, naturalmente, não o devamos fechar dentro de limites:
Repugna às minhas ideias atribuir qualquer limite ao mundo, e minha percepção é a única medida do que devo afirmar ou negar. É por isso que digo que o mundo é indeterminado ou indefinido, porque não lhe reconheço quaisquer limites. Mas não me atrevo a chamá-lo infinito, uma vez que percebo que Deus é maior do que o mundo, não em razão de Sua extensão, que, como já disse, não reconheço em Deus, mas em razão de Sua perfeição.
Mais uma vez Descartes afirma que a presença de Deus no mundo não implica Sua extensão. Quanto ao próprio mundo, que More deseja ou simplesmente finito, ou simplesmente infinito, Descartes ainda se recusa a chamá-lo infinito. No entanto, seja porque ele está um tanto aborrecido com More, seja porque tem pressa e por isso mostra menos cuidado, ele praticamente abandona sua afirmativa anterior sobre a possibilidade de o mundo ter limites (embora não nos seja possível encontrá-los) e trata essa concepção da mesma maneira como tratou a do vazio, isto é, qualificando-a de absurda ou mesmo contraditória. Assim, rejeitando como desprovida de sentido a questão da possibilidade de atravessar com uma espada a fronteira do mundo, ele diz:
Repugna a meu espírito ou, o que é a mesma coisa, implica contradição, que o mundo seja finito ou limitado, pois não posso deixar de conceber um espaço fora dos limites do mundo, onde quer que eu os coloque. Mas, quanto a mim, esse espaço é um corpo verdadeiro. Não me importa que outros o chamem de imaginário, e que, portanto, acreditem que o mundo seja finito; com efeito, sei de quais preceitos origina-se esse erro.