Objeções de Aristóteles a Platão

Aristóteles e as objeções a Platão.

Aristóteles de Estagira, filho do famosa médico do rei Filipe, preceptor ele mesmo do jovem Alexandre, foi quem viu já com clareza as falhas do pensamento de Platão. Em vários dos seus escritos, com muita frequência, Aristóteles polemiza com Platão. Para com Platão, Aristóteles tem o máximo respeito; em todo momento chama-o seu mestre, seu amigo. Polemiza, todavia, com frequência com ele. E as objeções que Aristóteles formula contra a teoria das ideias de Platão podem reduzir-se a seis grupos característicos.

Em primeiro lugar, a duplicação desnecessária das coisas. Aristóteles mostra que esse mundo das ideias, que Platão constrói metafisicamente com o objetivo de “dar razão” das coisas sensíveis, é uma duplicação do mundo das coisas que resulta totalmente desnecessária. Essa objeção que faz aqui Aristóteles a Platão é de importância incalculável no processo do pensamento filosófico grego, porque é a primeira vez que se diz que a teoria dos dois mundos (o mundo sensível e o mundo inteligível) estabelecida por Parmênides dois séculos antes, a duplicidade de mundos é insustentável. Não existe o mundo inteligível de ideias contraposto e distinto do mundo sensível. Isto parece-lhe uma duplicação que não resolve nada, porque sobre as ideias apresentar-se-iam exatamente os mesmos problemas que se apresentam sobre as coisas.

O segundo grupo de objeções que Aristóteles faz a Platão é o de que o número das ideias tem que ser infinito, porque — diz Aristóteles — se duas coisas particulares, semelhantes, são semelhantes porque ambas participam duma mesma ideia (a “participação” é a methexis de Platão), então, para advertir da semelhança entre uma coisa e sua ideia fará falta uma terceira ideia; e para advertir da semelhança entre essa terceira ideia e a coisa, uma quarta ideia; e assim infinitamente. De modo que a interposição de uma ideia para explicar a semelhança que existe entre duas coisas supõe já, implica já num número infinito de ideias. O terceiro argumento grave que Aristóteles formula contra Platão é o seguinte: se há ideias de cada coisa, terá que haver também Ideias das relações, visto que as relações percebemo-las intuitivamente entre as coisas.

A este argumento acrescenta outro: se há ideias do positivo, das coisas que são, terá que haver ideias do negativo, das coisas que não são, das coisas que deixam de ser. Por exemplo: se há ideia da beleza, terá que haver ideia da fealdade; se há ideia do tamanho grande, terá que haver ideia do tamanho pequeno, e, em geral, de cada tamanho. Mas os tamanhos são infinitos: isto multiplicaria também desnecessariamente o número de ideias.

A quinta objeção que Aristóteles formula é que a doutrina das ideias não explica a produção, a gênese das coisas. As ideias em Platão são conceitos, definições hipostasiadas; mas essas definições hipostasiadas ao máximo que poderiam chegar, se fosse inteligível a teoria da participação, seria a dar a razão daquilo que as coisas são, mas de modo nenhum a explicar como as coisas chegam a ser. Esta introdução por Aristóteles de uma exigência de explicação para o chegar a ser, dá-nos uma ideia clara de que, por cima da cabeça de Platão, deve ter havido em Aristóteles uma influência profunda do velho Heráclito, daquele Heráclito que fixou seu olhar preferentemente naquilo que a realidade oferece de mutável, de cambiável, de fluido

E a ultima e talvez mais importante objeção que Aristóteles opõe a Platão é de que as ideias são transcendentes. O transcendentismo das ideias parece-lhe insustentável. Não vê Aristóteles a necessidade de cindir e dividir entre as ideias e as coisas. E precisamente esta objeção é importante, porque a tarefa própria de Aristóteles na filosofia pode definir-se de um só traço geral com essas palavras: um esforço titânico para trazer as ideias platônicas do lugar celeste em que Platão as tinha colocado, e fundi-las dentro da mesma realidade sensível e das coisas. Esse esforço para desfazer a dualidade do mundo sensível e o mundo inteligível; para introduzir no mundo sensível a inteligibilidade; para fundir a ideia intuída pela intuição intelectual com a coisa percebida pelos sentidos, em uma só unidade existencial e consistencial; esse esforço caracteriza supremamente a filosofia de Aristóteles, a metafísica de Aristóteles.