A segunda crítica grave que podemos dirigir à teoria das ideias de Platão, refere-se a relação em que Platão coloca o mundo inteligível das ideias com o mundo das coisas sensíveis. Dizíamos na lição anterior que Platão chama “participação” (a palavra grega exata que emprega é metaxis) a essa relação. As ideias e as coisas têm algo em comum. As coisas participam das ideias, e porque participam das ideias podemos delas predicar algo; têm um pequeno ser, um ser aparente, fenomênico; e esse ser aparente e fenomênico que têm devem-no à sua participação nas ideias. Em um homem individual, a ideia pura de homem é a que lhe confere um leve rastro de ser.
Pois bem: esta participação no sistema platônico é absolutamente incompreensível. Não se compreende como esse mundo inteligível, composto de essências existentes, pode ter o menor contato e relação com o mundo sensível, composto de sensações caóticas, variáveis das quais se pode dar a descrição que Heráclito dá do fluir e do mudar. Não se compreende, pois, que comunicação, que relação pode haver entre esses dois mundos. E a palavra metaxis, ou participação, que Platão emprega constantemente, não esclarece em nada esse problema. Deixa-o completamente intacto.
Por último, pode fazer-se a Platão a crítica de que esse mundo das ideias tem que se compor então de um número infinito de ideias; porque se cada coisa tem sua ideia, à qual corresponde, da qual é um arremedo, uma cópia má, inferior, então o número de ideias tem que ser como o número de coisas; mas como o número de coisas é infinito — embora fosse somente porque se sucedem e reproduzem no tempo — o número de ideias teria que ser também infinito.
Estes reparos fundamentais que foram frequentemente feitos à teoria das ideias, já os fizera na época de Platão seu discípulo mais ilustre: Aristóteles.