Morente: A teoria platônica das ideias

Excertos de Manuel García Morente, Fundamentos de Filosofia

Esta convicção moral e profunda e esta ideia do conceito, Platão as toma de Sócrates. Mas imediatamente estende, amplifica o uso do conceito, já não somente para a geometria, não somente para as virtudes, como Sócrates, mas, em geral, para a coisa em geral. Converte, pois, Platão, o conceito no instrumento para a determinação do qualquer coisa em geral, e imediatamente põe em relação essa contribuição socrática com os ensinamentos recebidos de Parmênides; une a ideia de conceito, de logos, com a ideia de “ser” e com os atributos do ser parmenídico, e daí resulta exatamente a solução peculiar de Platão ao problema metafísico, sua teoria das ideias. Veja-se uma passagem de Aristóteles em que explica como Platão chegou à sua filosofia, como Platão chegou ao seu próprio sistema. Diz Aristóteles: “A ocupação de Sócrates com os objetos éticos e não com a natureza em geral, procurando naqueles objetos éticos o que tem de geral e encaminhando sua reflexão principalmente às definições, induziu a Platão, que o seguia, a opinar que a definição tinha como objeto algo distinto do sensível.” Eis aqui a união entre o método socrático de buscar o logos, com a ideia parmenídica de que o ser não é o sensível; e esta união dá por resultado a metafísica de Platão, que culmina na sua famosa teoria das ideias, que vou expor agora em poucas palavras.

Também Platão, como Parmênides e como todo metafísico em geral, de qualquer época que for, parte da pergunta: quem existe? quem é o ser? Mas Platão já está de sobreaviso. Já descobriu o erro que tinha cometido Parmênides ao confundir o “que existe?” com aquilo que o que existe é, ao confundir a existência com a essência. E como está de sobreaviso, não comete o mesmo erro, mas antes, pelo contrário, distingue já claramente entre a metafísica como teoria da existência e a metafísica como teoria da objetividade em geral. Já existe em Platão, por conseguinte, embora muito Intimamente unidas e não fáceis de separar — uma teoria da existência e uma teoria da objetividade, uma teoria do objeto, uma verdadeira ontologia, além da metafísica.

A ontologia de Platão está muito clara. Relembremos o logos de Sócrates, a definição do conceito que abrange uma porção da realidade, da mesma forma que a figura “triângulo” abrange uma porção de formas que se dão na realidade visível e tangível. Que é, pois, este logos? Platão o analisa e encontra que esse logos é uma unidade sintética, uma união na qual estão reunidos, atados, formando uma síntese indissolúvel, uma porção de entes ou de caracteres.

Pois bem: essa união, essa unidade dos caracteres que definem um objeto recortado na realidade, a essência desse objeto, ou, se se quiser, a consistência, unida numa unidade indissolúvel, se a contemplamos agora com uma intuição direta do espírito e logo conferimos a essa unidade a realidade existencial, essa é a ideia, segundo Platão.

Agora vamos explicar, um por um, os elementos dessa ideia.