Burkert
Mistério do grego mysterion que significa etimologicamente fechar os olhos ou a boca. Designa originalmente um segredo ou uma realidade a se manter secreta. Refere-se então a práticas e ritos de certas religiões antigas, reservados aos iniciados, os Mistérios (mysteria).
A raiz verbal my(s)- parece estar documentada no grego micênico, possivelmente para a iniciação de um funcionário, mas o contexto e a interpretação não são absolutamente claros. É mais importante notar que a palavra mysteria condiz com um tipo de formação terminológica para a designação de festas, bem estabelecido não só no grego posterior, mas também no micênico. Para os atenienses os Mysteria eram e continuam a ser, uma das grandes festas anuais. Existem poucas indicações arqueológicas e um grande entusiasmo entre os estudiosos em relação aos antecedentes micênicos do culto eleusiano. A palavra mystes, utilizada para designar o iniciado, pertence a um tipo que se viu desenvolver no grego micênico. O verbo myeo, “iniciar” (no passivo, “receber iniciação”), é secundário e na verdade muito menos usado do que mystes e Mysteria. O papel primordial de Elêusis na instituição e designação dos mistérios, portanto, confirma-se mesmo do ponto de vista linguístico. [Walter Burkert, Antigos Cultos de Mistério]
Notions philosophiques
Termo proveniente do grego mysterion que significa etimologicamente fechar os olhos ou a boca. Distinguem-se quatro níveis de compreensão. A palavra designa originalmente um segredo ou uma realidade tida ou se ter em segredo. Propriamente designa as práticas e os ritos de certas religiões antigas reservadas a iniciados (culto de Eleusis, mais tarde mistério de Serapis, de Attis, de Adonis ou de Mitra). Metaforicamente, exprime um objeto cujo conhecimento é dificilmente acessível e não se revela senão progressivamente. A palavra se aplica enfim à iniciação das doutrinas secretas consideradas como salutares. A exploração da noção de mistério não depende do uso pagão do termo. [Notions philosophiques]
Brisson & Pradeau
Il s’agit du Phédon de Platon, se rapportant lui-même à la tradition orphique (voir 69c et notes 103, 104, 106 de la traduction de M. Dixsaut, GF-Flammarion, p. 337-338). Socrate affirme : « À craindre que ce ne soit donc bien le vrai qui, en réalité, constitue une purification à l’égard de toutes les choses de cette sorte : la modération, la justice, le courage et que la pensée, en elle-même, ne soit comme un moyen de purification. Aussi, il se pourrait que ceux qui ont établi à notre intention les rites initiatiques ne soient pas, de fait, des gens négligeables ; mais qu’en réalité, et depuis longtemps, ce soit là le sens de leur formule énigmatique : quiconque arrive dans l’Hadès sans avoir été admis aux Mystères et initié sera couché dans le bourbier ; mais celui qui aura été purifié et initié partagera, une fois arrivé là-bas, la demeure des dieux » (69b8-c6).
Eudoro
72. Quando Platão falava de filosofia como «iniciação para a morte», referia-se, evidentemente, a uma «iniciação para a vida». Aquele falar era cifra que se decifra só como o dizemos, pondo «vida» no lugar de «morte», só com a reserva de que essa vida resultava de um morrer antes do que é propriamente morte. O filósofo servia-se da linguagem dos «mistérios», apontando para a necessidade de uma «conversão» (metamorfose) como a do prisioneiro da caverna, que dela consegue sair (Platão não diz como, e o silêncio mais confirma que ele recorre efetivamente à exemplaridade dos mistérios: o iniciado não se iniciou a si mesmo). A morte iniciática abre a alma do iniciando para um «lembrar-se do que estava esquecido», que é o lado de dentro do que, do lado de fora, é um «desocultar-se do que estava oculto». Na iniciação platônica parece dizer-se que a morte, em que o iniciando é iniciado, é a morte para a objetividade, liminar para outra vida, que se vive na trans-objetividade, o que se não diz expressamente em Platão, porque, expressamente, isto só pode dizer-se a partir de Kant — isto mesmo!, partindo de Kant para não mais voltar, ou só voltar quando e porque a inexorável necessidade de viver a vida comum faz que, uma vez e outra, regridamos para o entre-sombras de ideias-símbolos (não seria difícil mostrar, por meio da «participação», que as ideias, acrescidas às coisas, não andariam muito longe do que entendemos por «coisas» acrescidas do seu «ser-origem»). Lástima, que Platão, usando a linguagem dos «mistérios», não visse e não nos mostrasse que, não havendo mistérios sem mistagogo, só lhe ocorresse, como tal, a sua genuína figura mística: Sócrates. É verdade que, pelo menos uma vez (no Banquete), o próprio Sócrates se conta entre os iniciados por uma mulher, familiarizado com as «coisas divinas»; mas Platão nunca chega a dizer (exceto no Fedro, abaixo mencionado) que a iniciação seja, e não pudesse deixar de ser, obra de algum deus, o que, afinal, significa que o conhecimento, por tão alto que ascenda, e que ascende a ponto de se afirmar que a Ideia-das-ideias reside além da essência, isto é, de tudo do que se possa falar adequadamente, é obra humana e só humana. [EudoroMito:159]
VIDE: Mysteria