Excerto de Carneiro Leão, “Aprendendo a pensar”
SEGUNDO tradições recolhidas pela doxografia, um famoso sofista retornara certa feita para Atenas, após longa viagem de cursos e conferências em várias cidades da Asia Menor. Em plena agora, encontrou Sócrates perguntando ao sapateiro Simon: ti to hypodema; “o que é isso, um sapato?”, e lhe falou com a superioridade de uma pretensa sabedoria: “ainda estás aí, Sócrates, no mesmo lugar dizendo a mesma coisa sobre a mesma coisa?” — Com toda a simplicidade de uma ironia maiêutica, Sócrates respondeu: “é o que sempre faz o filósofo. O sofista, porém, sendo sábio, em todos os lugares, por onde passa, nunca diz a mesma coisa sobre a mesma coisa”. Todo pensamento procede de um núcleo de identidade ou, com Parmênides, todo pensamento vive de um atremes hetor, “de um coração intrépido”, a partir do qual e para o qual pensa o pensador. Mas nesta identidade não está em jogo uma verdade imutável, a ser dita e possuída de uma vez para sempre. Está em jogo uma verdade a ser sempre de novo conquistada e dita.