Parm. 135c-137c — O treinamento dialético

É que começaste cedo demais, Sócrates, antes de te exercitares, como convém, a definir o belo, o bem e o justo, e assim todas as ideias. Observei isso mesmo há dois dias, ao te ouvir dialogar com o nosso amigo Aristóteles, aqui presente. Pois fica sabendo que é belo e divino o entusiasmo com que te atiras a essas discussões. Enquanto és moço, exercita-te mais de espaço nessas práticas consideradas inúteis pelo vulgo e que dele receberam o nome de parolagem. De outra forma, a verdade te escapará.

E em que consiste, Parmênides, teria perguntado, semelhante exercício?

O que ouviste agora mesmo de Zenão, foi a sua resposta. Aliás, uma de tuas objeções me alegrou sobremaneira, ao lhe manifestares teu desacordo de que a investigação não se dispersasse nos objetos percebidos pelos olhos nem somente neles se aplicasse, para concentrar-se no que é apreendido apenas pelo pensamento e pode ser considerado como ideia.

Com efeito, respondeu; não me parece difícil demonstrar por esse meio que os seres são semelhantes e revelam outras oposições possíveis.

E com razão, disse. Porém uma coisa ainda precisarás fazer. Não basta aceitar a existência de determinado objeto e considerar as consequências de semelhante suposição. Longe disso; precisarás, ainda, admitir a não-existência desse mesmo objeto, se te importa exercitar-te como convém.

Aonde queres chegar? perguntou.

Caso te declares de acordo, disse, exemplifiquemos com aquela hipótese de Zenão: se existir o múltiplo, quais serão as consequências tanto para ele, em relação com ele mesmo e com o Uno, como para a unidade, em relação com ela mesma e com o múltiplo? E no caso de não houver múltiplo, voltar a considerar as consequências para a unidade e para o múltiplo, assim em suas relações recíprocas como nas de cada um consigo mesmo. Desenvolve idêntico esforço partindo da hipótese de que a semelhança existe ou não existe, sobre as consequências desses pressupostos, tanto para os termos admitidos como para outras coisas, nelas mesmas e em suas relações recíprocas. Igual raciocínio valerá para o dissemelhante, para o movimento e o repouso, para o nascimento e a destruição, o ser e o não-ser em si mesmos. Numa palavra: em tudo o que supuseres como existente ou não existente ou como determinado de qualquer modo, será preciso examinar as consequências resultantes, primeiro, para o próprio objeto, e depois, relativamente aos outros: começarás por um, à tua escolha; depois vários, e por último todos. A mesma coisa farás com esse outros, tanto em suas relações recíprocas como com o objeto admitido de cada vez por ti como existente ou não existente, caso queiras exercitar-se com perfeição e, assim, discernir a verdade na sua plenitude.

É imensa a tarefa, Parmênides, observou, que me impões; transcende minha compreensão. Por que não desenvolves tu mesmo as consequências dessa hipótese com um exemplo concreto, para que eu consiga compreendê-la?

Na minha idade, Sócrates, teria respondido, é uma tarefa gigantesca que me atiras sobre os ombros.

E tu, Zenão, perguntou Sócrates, por que não fazes essa demonstração?

Ao que Zenão, sorrindo, teria respondido: A Parmênides é que devemos dirigir-nos, Sócrates. O que ele expôs não é uma coisinha de nada. Não vês a enormidade do trabalho que exiges dele? Se houvesse aqui mais gente, seria pouco elegante, de fato, fazer-lhe semelhante pedido; não fica bem desenvolver tal assunto diante de publico numeroso, máxime na sua idade. As multidões ignoram que a não ser com a exploração a fundo do terreno, em todos os sentidos, não é possível adquirirmos noções certas com respeito a verdade. De meu lado, Parmênides, eu também secundo o pedido de Sócrates, para ouvir-te mais uma vez, depois de intervalo tão longo.

Após a fala de Zenão, pelo que Antifonte contou, Pitodoro teria dito que ele também e Aristóteles e os outros instaram com Parmênides para que demonstrasse sua proposição, sem ocupar-se com mais nada. Ao que Parmênides respondera: Preciso obedecer-vos, disse, conquanto me sinta naquela situação de cavalo de Íbico, antigo campeão de corridas: já velho, tremia quando atropelavam ao carro, pois sabia por experiência própria o que o aguardava. Aplicando a si mesmo o símile, dizia Íbico que, a seu mau grado, na idade a que chegara se via forçado a tomar parte das competições do amor. Lembrado disso, eu também sinto-me dominado pelo medo, por ter de, nesta idade, atravessar a nado tão grande e perigoso pélago de argumentos. De qualquer jeito, forçoso é obedecer-vos, pois como diz Zenão com muito acerto, estamos em família. Por onde, então, começaremos, e qual será nossa primeira hipótese? E agora, já que temos mesmo de entregar-nos a esse jogo cansativo, não preferis que eu comece por minha própria hipótese sobre o Uno em si mesmo, se existe ou se não existe, a fim de estudarmos as consequências disso decorrentes?

Perfeitamente, teria dito Zenão.

Então, prosseguiu, quem me responderás? O mais moço, porventura? É quem decerto me criará mais simples, ensejando-me suas respostas pausas oportunas.

Estou pronto, Parmênides, teria falado Aristóteles; a mim, decerto, é quem visavas, quando te referiste ao mais novo. Formula as questões , que eu responderei a elas todas.