Filósofo grego nascido em Eleia (c. 540 — c. 450 a. C). Seu poema Da natureza, primeira teoria filosófica do ser que reivindica nossa cultura ocidental, une de maneira misteriosa a eternidade, a imutabilidade e a unidade do ser com a variedade da opinião humana. O poema foi recentemente traduzido e explicado pelo francês J. Beaufret (1954), à luz da metafísica de Heidegger. A doutrina parmenidiana do ser, que se contrapõe à doutrina do devir de Heráclito, inspirou o Parmênides de Platão, que tenta unir as duas teses da unidade do ser e da diversidade do saber. [Larousse]
Parmênides nasceu em Eleia (hoje a localidade de Velia, entre o pontal Licosa e o cabo Palinuro) na segunda metade do século VI a.C. e morreu em meados do século V a.C. Foi ele o fundador da escola eleática, destinada a ter uma grande influência sobre o pensamento grego. Foi iniciado em filosofia pelo pitagórico Amínias. Informa-se que foi um ativo político, dotando a cidade de boas leis. Do seu poema Sobre a Natureza sobreviveram até nossos dias o prólogo inteiro, quase toda a primeira parte e fragmentos da segunda. Só há poucos anos veio à luz um busto que o representa.
No âmbito da filosofia da physis, Parmênides se apresenta como um inovador radical e, em certo sentido, como um pensador revolucionário. Efetivamente, com ele, a cosmologia recebe como que um profundo e benéfico abalo do ponto dé vista conceituai, transformando-se, pelo menos em parte, em uma ontologia (teoria do ser).
Parmênides põe a doutrina do seu poema na boca de uma deusa que o acolhe benignamente. (Ele imagina ser levado à deusa por um carro puxado por velozes cavalos e em companhia das filhas do Sol: alcançando primeiro o portão que leva às sendas da Noite e do Dia, convencem a Justiça, severa guardiã, a abri-lo e depois, ultrapassando a marca fatal, é guiado até a meta final.)
A deusa (que, sem dúvida, simboliza a verdade que se revela), no fim do prólogo, diz de modo solene e programático:
É preciso que aprendas Tudo:
1) da verdade robusta o sólido coração
2) e dos mortais as opiniões, em que não há certeza veraz;
3) ademais, também isto aprenderás: quem, em todos os sentidos, tudo indaga precisa admitir a existência das aparências.
Assim, a deusa parece indicar três caminhos: 1) o da verdade absoluta; 2) o das opiniões falazes (a doxa falaz), ou seja, o caminho da falsidade e do erro; 3) por fim, um caminho que se poderia chamar como o da opinião plausível (a doxa plausível).
Vamos percorrer esses caminhos junto com Parmênides:
1) O grande princípio de Parmênides, que é o próprio princípio da verdade (o “sólido coração da verdade robusta”), é este: o ser é e não pode não ser; o não ser não é e não pode ser de modo algum.
Pois bem, eu te direi — escuta a minha palavra — apenas em que caminhos de busca se pode pensar: um é que o ser é e não é possível que não seja — essa é a senda da persuasão, porque atrás de si tem a verdade.
É necessário dizer e pensar que o ser seja: com efeito, o ser é, o nada não é.
Um só caminho resta ao discurso: o que o ser é.
No contexto do discurso de Parmênides, “ser” e “não ser” são tomados em seu significado integral e unívoco: o ser é o positivo puro e o não ser é o negativo puro, um é o absoluto contraditório do outro.
Mas como Parmênides justifica esse seu grande princípio? A argumentação é muito simples: tudo aquilo que alguém pensa e diz, é. Não se pode pensar (e, portanto, dizer) senão pensando (e, “portanto, dizendo) aquilo que é. Pensar o nada significa não pensar em absoluto e dizer o nada significa não dizer nada. Por isso, o nada é impensável e indizível. Assim, pensar e ser coincidem:
… pensar e ser é o mesmo. Pensar é o mesmo
e isso em função do que o pensamento existe.
Porque sem o ser, no qual é expresso,
não encontrarás o pensar:
com efeito, fora do ser nada mais
ele é ou será…
Há muito que os intérpretes apontaram nesse princípio de Parmênides a primeira grande formulação do princípio da não-contradição, isto é, daquele princípio que afirma a impossibilidade de que os contraditórios coexistam ao mesmo tempo. E os dois contraditórios supremos são precisamente o “ser” e o “não ser”: havendo o ser, é necessário que não haja o não ser. Parmênides descobriu esse princípio sobretudo em sua valência ontológica; posteriormente, ele seria estudado também em suas valências lógicas, gnosiológicas e linguísticas, constituindo o principal pilar de toda a lógica do Ocidente.
Considerando esse significado integral e unívoco com o qual Parmênides entende o ser e o não ser e, portanto, o princípio da não-contradição, pode-se compreender muito bem os “sinais” ou as “conotações” essenciais, ou seja, os atributos estruturais do ser que, no poema, são pouco a pouco deduzidos com uma lógica férrea e com uma lucidez absolutamente surpreendente, a ponto de Platão ainda sentir o seu fascínio, chegando a denominar o nosso filósofo de “venerando e terrível”.
Em primeiro lugar, o ser é “incriado” e “incorruptível”. É incriado visto que, se fosse gerado, deveria ter derivado de um não-ser, o que seria absurdo, dado que o não-ser não é, ou então deveria ter derivado do ser, o que é igualmente absurdo, porque então ele já seria. E por essas mesmas razões também é impossível que o ser se corrompa (o ser não pode ir para o não-ser, porque o não-ser não é, nem pode ir para o ser, porque ir para o ser indubitavelmente significa ser e, portanto, permanecer).
Consequentemente, o ser não tem um “passado”, porque o passado é aquilo que não é mais, nem um “futuro”, que ainda não é, sendq portanto um “presente” eterno, sem início nem fim:
Um só caminho resta ao discurso: que o ser é.
E nesse caminho há muitos sinais indicadores.
O ser é incriado e imperecível:
com efeito, é um todo, imóvel e sem fim.
Não era antes e nem será,
porque é tudo junto agora, uno e contínuo.
Com efeito, que origens buscarias dele?
Como e onde teria ele crescido?
Do não-ser não te permito dizer nem pensar:
com efeito, não é possível dizer nem pensar o que não é.
E que necessidade o teria impelido a nascer
antes ou depois, se ele derivasse do nada?
Assim, é necessário que seja de todo ou não seja em
absoluto.
E a força da crença veraz tampouco concederá
que do ser nasça algo diferente dele
por essa razão, dike não concedeu-lhe,
alentando-lhe os cepos, nem o nascer nem o perecer,
mas o segura solidamente.
O juízo sobre essas coisas nisto se resume:
é ou não é.
E assim se estabeleceu, por força de necessidade,
que se deve deixar um dos caminhos,
porque impensável e inexprimível,
porque não é o caminho do verdadeiro,
pois o verdadeiro é o outro.
E como poderia existir o ser no futuro?
E como poderia nascer?
Com efeito, se nasce, não é,
e se é para ser no futuro, nem mesmo é.
Assim o nascer se apaga e desaparece o perecer.
Consequentemente, o ser é também imutável e imóvel, porque tanto a mobilidade quanto a mudança pressupõem um não-ser para o qual deveria se mover ou no qual deveria se transformar. Assim, o ser de Parmênides é “todo igual”, pois “o ser se amalgama com o ser”, sendo impensável “um mais de ser” ou “um menos de ser”, que pressuporiam uma incidência do não-ser:
Com efeito, não há o não-ser
para impedir-lhe de alcançar o igual,
nem é possível que, em relação ao ser,
seja o ser mais de um lado e menos do outro,
porque é um todo inviolável:
com efeito, igual por toda parte,
de modo igual nos seus limites se encontra.
Aliás, varias vézes Parmênides proclama o seu ser como limitado e finito, no sentido de que é “completo” e “perfeito”. E a igualdade absoluta, a finitude e a completude sugerem-lhe a ideia de esfera, ou seja, a figura que já indicava a perfeição para os pitagóricos:
Mas, como há um limite extremo, ele é completo por toda parte, semelhante à massa da bem redonda esfera, de igual força do centro a qualquer parte.
Tal concepção do ser também teria que postular o atributo da unidade, que Parmênides menciona de passagem, mas que seria levado ao primeiro plano sobretudo por seus discípulos.
A única verdade, portanto, é o ser incriado, incorruptível, imutável, imóvel, igual, esferiforme e uno. Todas as outras coisas não passam de vãos nomes:
… por isso todos só nomes serão,
postos pelos mortais,
convictos de que eram verdadeiros:
nascer e perecer, ser e não ser,
mudar de lugar e tornar-se luminosa cor.
2) O caminho da verdade é o caminho da razão (a senda do dia), ao passo que o caminho do erro, substancialmente, é o caminho dos sentidos (a senda da noite). Com efeito, os sentidos é que poderiam atestar o não-ser, à medida que parecem atestar a existência do nascer e do morrer, do movimento e do devir. Por isso, a deusa exorta Parmênides a não se deixar enganar pelos sentidos e pelo hábito que eles criam, contrapondo aos sentidos a razão e o seu grande princípio:
Afasta o pensamento desse caminho de busca
e que o hábito nascido de muitas experiências humanas
não te force, nesse caminho,
a usar o olho que não vê,
o ouvido que retumba e a língua:
com o pensamento, julga a prova
que te foi fornecida com múltiplas refutações.
Um só caminho resta ao discurso: que o ser é.
É evidente que não só quem diz expressamente que “o não-ser é” anda pelo caminho do erro, mas também quem crê poder admitir juntos o ser e o não-ser e quem crê que as coisas passem do ser ao não-ser e vice-versa. Com efeito, essa posição (que é obviamente a mais difundida) inclui estruturalmente a anterior. Em suma: o caminho do erro resume todas as posições daqueles que de qualquer modo, admitem expressamente ou fazem raciocínios que impliquem no não-ser, que, como vimos, não é, porque impensável e indizível.
3) Mas a deusa fala ainda de um terceiro caminho, o das “aparências plausíveis”. Resumidamente, Parmênides teve que reconhecer a licitude de certo tipo de discurso que procurasse dar contas dos fenômenos e da aparência das coisas, com a condição de que tal discurso não se voltasse contra o grande princípio e não admitisse, juntos, o ser e o não-ser. Assim, entende-se por que, na segunda parte do poema (infelizmente, perdida em grande parte), a deusa fizesse uma exposição completa do “ordenamento do mundo como ele aparece”.
Mas como é possível dar conta dos fenômenos de modo plausível sem contrapor-se ao grande princípio?
As cosmogonias tradicionais haviam sido construídas com base na dinâmica dos opostos, dos quais um fora concebido como positivo e como ser e o outro como negativo e como não-ser. Ora, segundo Parmênides, o erro está em não se ter compreendido que os opostos devem ser pensados como incluídos na unidade superior do ser: ambos os opostos são “ser”. Assim, Parmênides tenta uma dedução dos fenômenos partindo da dupla de opostos “luz” e “noite”, mas proclamando que “com nenhuma das duas está o nada”, ou seja, que ambas são “ser”. Os fragmentos que nos chegaram são muito escassos para que possamos reconstruir as linhas dessa dedução do mundo dos fenômenos. Entretanto, está claro que nela, assim como o não-ser estava eliminado, também estava eliminada a morte, que é uma forma de não-ser. Efetivamente, sabemos que Parmênides atribuía sensibilidade ao cadáver, mais precisamente “sensibilidade para o frio, para o silêncio e para os elementos contrários”. O que significa que o cadáver, na realidade, não é tal. A obscura “noite” (o frio) em que o cadáver se encontra não é o não-ser, isto é, o nada; por isso, o cadáver permanece no ser e, de alguma forma, continua a sentir e, portanto, a viver.
É evidente, porém, que essa tentativa estava destinada a chocar-se contra insuperáveis aporias. Uma vez reconhecidas como “ser”, luz e noite (e os opostos em geral) deviam perder qualquer caráter diferenciador e tornar-se idênticas, precisamente porque ambas são “ser” e o ser é “todo idêntico”. O ser para Parmênides não admite diferenciações quantitativas nem qualitativas. Assim, enquanto assumidas no ser, os fenômenos não só se viam igualizados, mas também imobilizados, como que empedrados pela fixidez do ser.
Desse modo, o grande princípio de Parmênides, como foi por ele formulado, salvava o ser, mas não os fenômenos. E isso ficaria ainda mais claro nas posteriores deduções de seus discípulos. [Reale]
Parmênides de Eléia, na Magna Grécia, é o filósofo pré-socrático mais importante, o fundador da metafísica, em virtude de sua dupla descoberta: do ente (on) e da mente ou visão intelectual e imediata (noûs). Viveu desde fins do século VI até a primeira metade do V. Sua tradição imediata é a pitagórica e talvez a de Xenófanes, se bem que provavelmente indireta. Só se conservam fragmentos de seu grande poema em hexâmetros, que trazia o título tradicional Sobre a natureza (Peri physeos).
Parmênides determina todo o destino da filosofia do Ocidente, e muito especialmente da helênica. A antropologia posterior estará condicionada por seu pensamento, mas restam apenas fragmentos no que se refere diretamente ao homem; só há alusões vagas, que se podem interpretar unicamente a partir dos pressupostos gerais de sua filosofia. Para Parmênides, à parte de uma via impraticável, que é a que diz; que as coisas não são, há duas vias, às quais denomina via da verdade e via da opinião dos mortais: a primeira é a mente, o nus,, divino e comum a todos os homens, e conduz ao ente, uno, imóvel e eterno; a segunda é a da sensação, múltipla e passível de contrariedade, e conduz às coisas, muitas e mutantes, perecedoras e corruptíveis como o corpo. O homem, pois, segundo participe do nus ou da sensação, reporta-se ao ente e é eterno como ele, ou às coisas, e é mortal como as mesmas. Em um ou outro caso, alcança a verdade do que as coisas são ou só a opinião, que afirma que as coisas são e não são, isto é, mostram uma aparência mutante que não corresponde à sua imobilidade real do ponto de vista do ser.
“É mister que aprendas todas as coisas, tanto o coração intrépido da Verdade bem redonda, quanto as opiniões dos mortais, nas quais não reside verdadeira certeza.” (Fr. 1 de Diels.)
“A (via) de que é e que é impossível que não seja, é a via da Persuasão (pois a Verdade a acompanha); a de que não ê e não é necessário que seja, esta, afirmo-te, é uma via completamente impraticável; pois nem podes conhecer o que não é (pois é impossível), nem dizê-lo; pois é o mesmo a visão noética (noein) e o ser.” (Fr. 4 e 5 de Diels!)
“Assim, segundo a opinião (dos mortais), as coisas chegaram a ser e são agora; e perecerão após se terem desenvolvido. A cada uma destas coisas, os homens puseram um nome determinado.” (Fr. 19 de Diels.)
Com os pressupostos antes indicados, é claro o sentido destes fragmentos densos e herméticos. O coração intrépido (atremés) da verdade é uma primeira alusão à imobilidade e permanência do ente; a redondeza é a do ente maciço como uma esfera, e este ente só aparece ante a visão do nus, e por isso pode dizer que são o mesmo, sem que isto signifique nenhuma absurda identificação idealista do ser e do pensar, que Parmênides não pôde conjeturar. Os nomes que os homens põem às coisas significam a convenção (nomus), que se defrontará com a natureza (physis) em toda a filosofia posterior, como o ser verdadeiro com a opinião aparencial.
O melhor estudo publicado acerca de Parmênides é o de Karl Reinhardt: Parmenides und die Geschichte der griechischen Philosophie (1916). [Julián Marías]