Pessoa, uma tecedura de memórias (Plutarco)

Plutarco Sobre a Tranquilidade da Alma 473B —474B (Sorabji, 2006)

Que todos têm dentro de si os depósitos de alegria e tristeza (euthymia, dysthymia) e que os jarros de bens e males estão colocados não no limiar de Zeus, mas na alma, é claro pelas diferenças nas emoções (pathe) das pessoas. Pois os tolos ignoram e negligenciam até os bens presentes porque estão sempre concentrados em seus pensamentos no futuro. Mas os sábios fazem até o que não existe mais existir vividamente para si mesmos através do uso da memória. O presente, que permite o contato com apenas a menor porção do tempo e depois escapa à observação, já não parece aos tolos ser algo para nós ou ser nosso. Mas assim como o homem retratado no Hades trançando uma corda permite que um burro pastando consuma o que ele está trançando, assim o esquecimento, alheio à maioria das coisas e ingrato, arrebata e sobrepuja as coisas, obliterando toda ação e ato correto, toda discussão agradável, encontro ou prazer, e não permite que nossa vida seja unificada, através do passado sendo tecido junto com o futuro. O que quer que aconteça, ele imediatamente o entrega ao que não aconteceu pelo esquecimento, e separa a vida de ontem da de hoje como algo diferente, e a de amanhã similarmente como não sendo a mesma que a de hoje. Aqueles nas escolas que refutam o fato do crescimento com base no argumento de que a substância está perpetuamente fluindo fazem cada um de nós, em teoria, sempre diferente de si mesmo. Mas aqueles que não preservam ou recuperam o passado na memória, mas permitem que ele flua para longe deles, tornam-se necessitados a cada dia na prática, e vazios e dependentes do amanhã, como se o ano passado e ontem e anteontem não fossem nada para eles e não tivessem realmente acontecido com eles.

Isso é uma coisa que perturba a alegria. Outra a perturba ainda mais, quando as pessoas se afastam de coisas alegres e reconfortantes e se enredam em lembranças desagradáveis. É como quando as moscas escorregam das partes lisas dos espelhos e se agarram às ásperas e arranhadas, ou melhor, como dizem que os besouros em Olinto, caindo em um lugar chamado ‘Morte dos Besouros’, são incapazes de sair, mas se contorcem e giram lá até morrer. É assim que as pessoas que deslizam para a memória dos males não querem se recuperar ou reviver. O que devemos fazer é destacar os eventos brilhantes e luminosos na mente, como as cores em uma pintura, e esconder e suprimir os sombrios, já que não podemos apagá-los ou nos livrar deles completamente. Pois a harmonia do cosmos, como a de uma lira ou arco, envolve dobrar-se em duas direções, e nada nos assuntos humanos é puro ou sem mistura. Mas assim como na música há notas altas e baixas, e na linguagem consoantes e vogais, e um músico ou especialista em linguagem não é aquele que desgosta de nenhum deles, mas aquele que sabe como usá-los todos e misturá-los (mignunai) apropriadamente, assim… nós também devemos fazer a mistura (migma) de nossa vida harmoniosa e apropriada para nós mesmos.

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