6. Teve Platão uma doutrina especial do Uno? Na medida em que trata a unidade dos eide individuais, Platão sustenta continuamente que eles são indivisíveis (Fédon 78d, Republica 476a), e vai ao ponto de lhes chamar énades ou mônadas (Phil. 15a-b, 16d-e). Mas estamos consideravelmente pouco informados sobre o eidos do uno ou da própria Unidade. Platão dirige-se, de fato, ao uno (hen) e ao múltiplo (plethos) como um problema dialético no Phil. 13e-18d. Menciona, como já resolvido, o problema do múltiplo-no-uno ao nível de unidades orgânicas como o homem (14d-e; ver holon), mas permanece a questão intrigante do eidos monádico e da sua distribuição através da pluralidade de coisas materiais e o problema correlato da inter-relação (koinonia) dos eide (15b-c; a questão é posta como estando para ser resolvida mas não o é; ver methexis, mimesis). Para resolver isto reporta-se à solução pitagórica (ou, como lhe chama, prometeica; 16c) de converter o hen e o plethos com per as e apeiron, que são, por sua vez, integrados no seu próprio processo de reunião (synagoge) e divisão (diairesis). Estes últimos são, de fato, um movimento dialético do múltiplo para o Uno e vice-versa, mas o uno que a synagoge alcança não é de modo algum um Uno transcendente, mas antes um eidos genérico do tipo descrito no Soph. 253d-e «como um eidos estendendo-se através de muitos eide que estão separados».
7. O Sofista também levanta a questão do próprio Uno, i. e.; o eidos do hen, contra Parmênides (245a-b), não já o do diálogo platônico mas o filósofo da «Via da Verdade». Se o Ser Uno esférico é tal como Parmênides o descreve no frg. 8, versos 42 ss., então é um todo feito de partes e, assim, tem de diferir do próprio Uno, que é perfeitamente simples. Mas o texto não tem sequência por não nos informar que há um eidos do Uno. Quando, mais adiante no mesmo diálogo (254d ss.), Platão passa a discutir as «maiores espécies» dos eide, o Uno não está em evidência em parte nenhuma e Plotino tem de fazer uma explicação longa para justificar que a sua omissão é apropriada (Enéadas VI, 2, 9-12).
8. A importância do uno em Platão é, então, exceto para o curioso problema do Parmênides, duma não maior relevância do que a dos outros eide e talvez menor do que a dos megista gene do Sofista. O que é mais flagrante, contudo, é a posição que este parece assumir na quase contemporânea Academia. O tratamento próprio de Aristóteles quanto ao uno é classificá-lo entre os «transcendentais»: a unidade, como o ser, é predicada analogicamente através de todas as kategoriai (Metafísica 1003a-b, 1053b). Mas quanto ao um como unidade este não é mais do que a arche de uma série matemática (ibid. 1016b) e assim está convencido de que Platão deve ter defendido que o Uno era uma substância separada (ibid. 996a; refutado 1001a-b) e a arche de todos os eide visto que o Uno e o Ser são os summa genera dos quais todos os eide são espécies (ibid. 996a, 998b). As origens desta convicção são algo difíceis de compreender, mas estão obviamente ligadas à sua alegação, muitas vezes repetida, de que Platão identificou os eide com os números (ver arithmos 3). Um outro comentário leva-nos na mesma direção. Aristóteles também declara que Platão identificou o Uno com o Bem (ibid. 1091a-b), e nós sabemos que isto se baseia em algo mais de que na leitura do famoso passo sobre o Bem transcendente na Republica 509b dado que sabemos por outra fonte (Aristóxeno, Elem. harm. II, p. 30) que Platão fez também esta identificação na sua lição «Sobre o Bem» (ver agrapha dogmata) que tinha que ver com a matemática.