noesis (Peters)

18. O platonismo médio concentrou a sua atenção nos aspectos cósmicos do noûs e é só com Plotino que temos qualquer contribuição significativa para o funcionamento do noûs imanente. Como Platão e Aristóteles, Plotino distingue dois tipos de atividade intelectual, uma intuitiva e outra discursiva. A primeira, a noesis, é, em primeira instância, a vida e a energeia do noûs cósmico hipostasiado. Não é todavia uma atividade do Uno, dado que, para Plotino, mesmo um ato tão auto-integrado como a noesis evidencia dualidade e assim é anátema para o Uno (Enéadas VI, 6, 3, com uma referência passageira aos comentários de Platão no Soph. 254d e no Pannénides 146a sobre o papel de «O Outro» (heteron) no ser e portanto na intelecção). Que necessidade, pergunta Plotino (VI, 7, 4), teria o olho de ver algo se ele próprio fosse a luz?

19. Assim, a noesis na sua forma genuína é uma unidade do sujeito e do objeto que, embora difiram apenas logicamente, constituem uma pluralidade (plethos). É caracteristicamente interiorizada: os noeta que são os objetos da noesis estão no noûs que os conhece (VI, 2, 21). A noesis, que é a vida do noûs, lança a sua imagem (eikon) sob a forma de uma energeia na hypostasis inferior da alma. Isto é o logismos ou raciocínio discursivo, operação que, ao contrário da noesis imediata e interiorizada, abrange os phantasmata dos objetos fora dela, que lhe são oferecidos pela sensação, e faz juízos (kriseis) a eles respeitantes invocando regras (kanones) transmitidas pelo noûs (V, 3, 4), ou, como ele põe a questão algures, por composição e divisão (synagoge, diairesis: V, 3, 2; ver os antecedentes platônicos destes termos na rubrica dialektike). Aquilo a que ele aqui se refere é um conhecimento dos eide fornecido pelo noûs que os contém e que tornam possíveis os nossos juízos comparativos (cf. V, 1, 11; V, 3, 3; e confrontar Fédon 74a ss.).

20. A alma é capaz de duas atividades: quando «virada para cima» entrega-se à noesis/logismos; quando «para baixo», à aisthesis e à operação das outras faculdades (VI, 2, 22; ver aisthesis 26). A sensação usa um meio, uma imagem (phantasma), separado do seu modelo e contudo diferente da coisa em que reside; a noesis é imediata: conhecedor e conhecido confrontam-se diretamente e identificam-se (V, 3, 8). Mas nós não temos a noesis na sua pureza. A noesis é uma visão de unidade; a imagem que dela temos, logismos, trata da pluralidade e quanto mais uma pessoa se liberta da composição e divisão que é a nossa imitação da noesis e em vez disso se volta para uma autocontemplação, tanto mais se estará a assimilar a si próprio à verdadeira operação do noûs (V, 3, 6). A razão pela qual a alma é forçada a suportar este logismos faz parte da condição geral da sua descida num corpo (ver kathodos). É, como a sua manifestação externa, a linguagem, uma fraqueza, um indício da preocupação da alma com áreas que lhe não são afins (IV, 3, 18).

21. Neste passo (IV, 3, 18), Plotino faz uso do princípio da atenção (phrontis) para explicar a degeneração da noesis em logismos (confrontar a metáfora elaborada em IV, 3, 17 onde a preocupação da alma com a matéria é comparada à do capitão de um barco com o seu barco e a sua carga; para a ulterior degeneração do pensamento em atividade, ver physis 5) e recorre a um tipo semelhante de explicação ao confrontar outro problema. Se o noûs é uma faculdade da alma, como explicar a natureza intermitente da noesis no homem comparada ao seu contínuo exercício no princípio superior? Aristóteles enfrentara já o problema e sugerira que enquanto os objetos da noesis estão sempre no espírito, nem sempre são presentes ao espírito; em suma, o homem tem de escolher para pensar (De anima II, 417b). Além disso, esta atividade pode durar apenas durante breves períodos no homem, visto que envolve uma passagem da potência ao ato e assim fatiga o pensador (Metafísica 1050b, 1072b; Ethica Nichomacos 1175a). Para Plotino é uma questão de consciência. O noûs imanente está sempre em operação, mas nós, porque a nossa atenção está voltada para outro lado, nem sempre estamos conscientes disso (iv, 8, 8). Este ponto de vista, baseado como está num desejo de manter a alma humana perpetuamente ligada através do noûs ao kosmos noetos, acha-o Proclo uma novidade na tradição platônica (In Timeu III, 333-334) e por conseguinte volta à posição de um funcionamento intermitente da noesis na alma «decaída» (Elem. theol, prop, 211; ver kathodos e psyche 35). (Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters)