POL 265b-266d: A via mais longa

ESTRANGEIRO — É fácil, pois o que nos falta fazer é pouco. No princípio ou no meio do caminho, seria difícil atender ao teu pedido. Agora, já que assim queres, iremos pelo caminho mais longo. Descansados como estamos caminharemos sem dificuldade. Repara agora como eu divido.

SÓCRATES, O JOVEM — Fala!

ESTRANGEIRO — Os animais que andam sobre a terra, mansos, e que vivem em rebanhos estão distribuídos, por natureza, em dois grupos.

SÓCRATES, O JOVEM — Como?

ESTRANGEIRO — Um grupo não possui chifres, enquanto o outro os tem.

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — Divide, pois, a arte de criar os animais que andam sobre a terra consagrando uma parte a cada um desses grupos; e observa que, se quisesses dar um nome a cada espécie, encontradas maiores dificuldades do que as que são necessárias.

SÓCRATES, O JOVEM — Como deverei denominá-las?

ESTRANGEIRO — Assim: dividindo-se a ciência da criação dos animais que andam sobre a terra em duas partes; uma abrangerá a parte do rebanho com chifres e a outra, a parte sem chifres.

SÓCRATES, O JOVEM — Concordo que isso é bem claro.

ESTRANGEIRO — Quanto ao rei é evidente que pastoreia um rebanho sem chifres.

SÓCRATES, O JOVEM — Nem poderia deixar de ser.

ESTRANGEIRO — Dividamos, então, esse rebanho, e procuremos atribuir ao Rei o que lhe pertence.

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — Queres dividi-lo em seres de duas e de uma só unha? Ou, conforme o princípio da procriação, em cruzados e puros? Creio que compreendes o que quero dizer?

SÓCRATES, O JOVEM — O quê?

ESTRANGEIRO — Que, por exemplo, é natural realizar-se a reprodução de cavalos e burros por cruzamento.

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — Por outro lado, os outros animais deste rebanho domesticável não se podem procriar por cruzamento.

SÓCRATES, O JOVEM — Claro.

ESTRANGEIRO — Pois bem, de qual destes grupos parece cuidar o político, dos que se procriam por cruzamento, ou dos demais?

SÓCRATES, O JOVEM — Evidentemente, daqueles que não se cruzam.

ESTRANGEIRO — Temos, ao que parece, de dividir esta família, como as anteriores, em duas partes.

SÓCRATES, O JOVEM — Sim, temos.

ESTRANGEIRO — Todos os seres mansos e que vivem em rebanho já estão discriminados, exceto duas espécies, pois, ao que creio, não convém incluir a família dos cães no número dos animais que se criam em rebanhos.

SÓCRATES, O JOVEM — Não, mas segundo que princípio dividiremos essas duas espécies?

ESTRANGEIRO — Segundo o princípio que distingue Teeteto de ti, pois que vós ambos vos ocupais da geometria.

SÓCRATES, O JOVEM — Como?

ESTRANGEIRO — Pela diagonal, e depois pela diagonal da diagonal.

SÓCRATES, O JOVEM — Como?

ESTRANGEIRO — A natureza do gênero humano nos permitirá um modo de caminhar diverso daquele que se exprime pelo valor da diagonal, igual a dois pés1).

SÓCRATES, O JOVEM — Não.

ESTRANGEIRO — Ora, o modo de caminhar próprio a um segundo gênero tem um valor igual à diagonal daquele valor próprio ao nosso modo de caminhar, pois que, naturalmente, ele vale duas vezes dois pés.

SÓCRATES, O JOVEM — É certo. Agora começo a compreender aonde queres chegar.

ESTRANGEIRO — Mas, caro Sócrates, não vemos ocorrer novamente, nessa divisão, algo ridículo?

SÓCRATES, O JOVEM — O quê?

ESTRANGEIRO — Colocar o gênero humano na mesma liça e fazê-lo disputar em velocidade com o gênero de seres ao mesmo tempo imponente e o mais indolente.

SÓCRATES, O JOVEM — Sim, vejo, é uma coincidência curiosa.

ESTRANGEIRO — Mas como? Não é natural que o mais vagaroso venha por último?

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — Mas não observas também que o rei será ainda mais ridículo ao concorrer com seu rebanho e ao medir-se, sobre a pista, com o homem mais entregue a esta vida indolente2).

SÓCRATES, O JOVEM — É exato.

ESTRANGEIRO — E agora, Sócrates, torna-se mais claro o que dissemos em nosso inquérito sobre o sofista.

SÓCRATES, O JOVEM — Como?

ESTRANGEIRO — Que este nosso método de argumentar não se preocupa com o mais ou menos nobre e que não concede maior atenção ao que é grande do que ao que é pequeno, porquanto só tomando a si mesmo por inspiração procura levar até ao fim o seu inquérito sobre a verdade.

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.


  1. Pé é medida grega. No Menão está substituído pelo metro, a fim de facilitar a leitura do diálogo pelo leitor moderno. Encontramos no Político idêntico quadrado ao que aparece naquele livro. A diagonal dessa figura é o lado de um quadrado cuja área é o duplo da área do primeiro quadrado. A digressão pela matemática é puramente simbólica. A área do quadrado cujo lado mede dois pés de quatro pés quadrados e sua diagonal é o lado do quadrado de área dupla. Por causa desses dois números — dois e quatro — o autor considera a diagonal ,do 10 quadrado como símbolo do modo de andar dos seres de dois pés e a do 2? quadrado — cujo lado é a diagonal do 19 — como símbolo do modo de andar dos quadrúpedes. Essas proposições provocam sorrisos entre os ouvintes, predispondo-os a prestar mais atenção. Tal método didático era empregado pelo autor em suas aulas. (N. do T. 

  2. Platão refere-se aqui aos monarcas persas que estão sempre cercados de ajudantes, fâmulos e companheiros. (N. do T.