POL 267a-268d: Noção de pastor; os competidores do Político

ESTRANGEIRO — Agora voltemos ao ponto de que partimos, ligando tudo o que dissemos, do princípio ao fim, para a definição deste termo: a arte do político.

SÓCRATES, O JOVEM — De acordo.

ESTRANGEIRO — Pois bem, nas ciências teóricas nós começamos por distinguir uma parte diretiva, e, nesta, uma divisão a que chamamos, por analogia, autodirigente. A criação dos animais foi, por sua vez, considerada como uma das divisões da ciência autodiretiva, da qual é um gênero e certamente não o menor; a criação de animais nos deu a espécie da criação em rebanho, e a criação em rebanho, por sua vez, deu-nos a arte de criar os animais pedestres; e a seguir, esta arte de criar os animais pedestres nos deu, como seção principal, a arte que cria a raça de animais sem chifres; e, ainda, esta raça de animais sem chifres inclui uma parte que só poderá ser compreendida por um único termo pela adição necessária de três nomes: ela se chamará “a arte de criar raças que não se cruzam”. Por fim, a última subdivisão restante nos rebanhos bípedes, será a arte de dirigir os homens. É precisamente o que procuramos; a arte que se honra por dois nomes: política e real.

SÓCRATES, O JOVEM — Exatamente.

ESTRANGEIRO — Mas, Sócrates, essa pesquisa foi realizada por nós assim como acabas de dizer?

SÓCRATES, O JOVEM — Que pesquisa?

ESTRANGEIRO — Resolvemos o problema? Não falta em nosso exame o principal? A pesquisa foi realizada de modo um tanto vacilante, e não teremos cometido uma falta das mais graves chegando a uma definição, mas não a uma definição perfeita sob todos os pontos?

SÓCRATES, O JOVEM — Que queres dizer?

ESTRANGEIRO — Tentarei explicar o que penso, a ti e a mim mesmo.

SÓCRATES, O JOVEM — Fala!

ESTRANGEIRO — Entre as muitas formas da arte de pastorear encontra-se uma: a política, e vemos qual é o seu rebanho.

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — A discussão não a conceituou como criação de cavalos ou quaisquer outros animais, e sim como ciência que cuida de homens que vivem em comunidade.

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — Observaremos as diferenças que existem entre os pastores e os reis.

SÓCRATES, O JOVEM — Que diferenças?

ESTRANGEIRO — Imagina que qualquer dos outros pastores tenha um rival, titular de outra arte, que afirme e pretenda com ele participar da arte da criação do rebanho.

SÓCRATES, O JOVEM — Que pretendes dizer?

ESTRANGEIRO — Sabes que todos os comerciantes, agricultores, moleiros, inclusive atletas e médicos, protestariam energicamente junto a estes pastores de homens a quem chamamos políticos afirmando que eles é que cuidam da criação dos homens, não apenas dos membros do rebanho, mas também dos governantes?

SÓCRATES, O JOVEM — E não teriam razão de assim protestar?

ESTRANGEIRO — Talvez. Haveremos de ver. Uma coisa, porém, sabemos, e que ninguém negará, é que isso também se estende ao criador de bois. É ele que alimenta o seu rebanho, é ele o médico e só ele escolhe os coitos: tanto na procriação como no nascimento, é o único parteiro competente. Na medida em que seus animais participam da sedução da música, nenhum outro é mais capaz de acalmá-los e de consolá-los por meio de sons. Sabe executar excelentemente a música de que seu rebanho gosta, seja por intermédio de instrumentos, seja apenas pela voz. O mesmo poder-se-ia dizer dos demais pastores, ou não?

SÓCRATES, O JOVEM — Claro.

ESTRANGEIRO — Mas, então, será tão certa e inatacável a nossa teoria sobre o rei? Nós o consideramos como pastor e alimentador do rebanho humano, dizendo que é ele mais importante do que 10 000 outros que pretendam sê-lo.

SÓCRATES, O JOVEM — De nenhum modo.

ESTRANGEIRO — Não teríamos nós razões para inquietação quando, ainda há pouco, nos assaltou a suspeita de que talvez houvéssemos traçado um esboço plausível do caráter real mas que, no entanto, não o leváramos até o retrato fiel do político, pelo fato de não o distinguirmos de todos aqueles que à sua volta se agitam e que reclamam uma parte dos seus direitos de pastor? Não o separamos suficientemente dos seus rivais para mostrá-lo, unicamente, na sua pureza?

SÓCRATES, O JOVEM — Muito bem.

ESTRANGEIRO — É o que faremos, caro Sócrates, se não quisermos levar esta discussão a um fim que a desmereça.

SÓCRATES, O JOVEM — É o que preciso evitar a todo custo.