POL 273e-274e: Retorno à vida animal

Assim termina este mito, do qual a primeira parte servirá à nossa teoria do Rei. Quando o mundo, por um movimento reverso, desviou-se para o modo atual de geração, a evolução das idades parou uma segunda vez para voltar num sentido contrário àquele que então seguia. Os seres vivos que se haviam reduzido a quase nada voltaram a crescer e os corpos recém-nascidos da terra tornaram-se grisalhos, definharam-se e voltaram à terra. E todo o resto voltou, da mesma forma em sentido contrário, amoldando-se e regulando-se à nova evolução do universo; e especialmente a gestação, o parto e a criação imitaram e seguiram o processo geral. Já não era possível que o animal nascesse do seio da terra, por um concurso de elementos estranhos; uma vez que o mundo assim se tornara o seu próprio senhor, sujeito a dirigir a sua evolução, também as suas partes deveriam, por uma lei análoga, conceber, dar à luz e criar por si mesmas, na medida em que pudessem. E assim eis-nos agora chegados ao ponto a que se dirigia todo este raciocínio. No que se refere aos outros animais seriam necessárias muitas palavras e muito tempo para dizer qual era então a condição de cada espécie e por que influências ela se modificou; mas relativamente aos homens, esta exposição será mais breve e mais a propósito. Uma vez privados dos cuidados deste deus que os possuía e os mantinha sob sua guarda, cercados de animais dos quais a maior parte era naturalmente feroz, e que se tornaram desde logo selvagens, agora que também eles se viram sem força e sem proteção, os homens se tornaram presas desses animais. Nos primeiros tempos, não tiveram qualquer indústria ou arte; e foi desde este momento de grande abandono, em que seus alimentos deixaram de vir-lhes espontaneamente, e em que não sabiam ainda procurá-los, pois que nenhuma necessidade os havia, até então, obrigado a isso, que, segundo as antigas tradições, nos foram dadas, pelos deuses, lições e ensinamentos indispensáveis: o fogo por Prometeu313; as artes por Hefesto314 e sua companheira; as sementes e as plantas por outras divindades. Assim tudo o de que a vida humana é feita nasceu desses primeiros passos; quando os homens, como disse, viram-se privados da vigilância divina, devendo conduzir-se sós e zelar por si mesmos, tal como o universo, pois tudo o que fazemos é imitá-lo e segui-lo, alternando, na eternidade do tempo, estas duas maneiras opostas de viver e nascer. Terminemos aqui o nosso mito, dele nos servindo para medir a falta que cometemos ao definir, como o fizemos anteriormente, o homem real e o político.