POL 275a-275e: O que não é seu pastoreio

ESTRANGEIRO — Precisamos, pois, ao que me parece, determinar primeiramente o gênero de governo que o político exerce sobre a cidade, se quisermos orgulhar-nos de lhe haver dado uma definição perfeita.

SÓCRATES, O JOVEM — É certo.

ESTRANGEIRO — Foi precisamente com esse propósito que nos referimos a este mito: nossa intenção não era apenas mostrar que o título de tratador do rebanho, o chefe a quem procuramos, é disputado por todos; quisemos também revelar melhor aquele que, sendo o único a assumir tão completamente como os pastores de ovelhas e de bois os encargos de educar o seu grupo de homens, fosse também o único com direito a honrar-se daquele título.

SÓCRATES, O JOVEM — Justamente.

ESTRANGEIRO — Mas a meu ver, Sócrates, esta figura do pastor divino é ainda muito elevada para um rei; os políticos de hoje, sendo por nascimento muito semelhantes aos seus súditos, aproximam-se deles, ainda mais, pela educação e instrução que recebem.

SÓCRATES, O JOVEM — Perfeitamente.

ESTRANGEIRO — Mas, mesmo assim, eles devem ser examinados igualmente de sorte a ver se estão acima de seus súditos, tal como o pastor divino, ou no mesmo nível.

SÓCRATES, O JOVEM — Sem dúvida.

ESTRANGEIRO — Voltemos, então, onde estávamos. Lembras-te de que falamos desta arte que concede um poder autodiretivo sobre os animais e que deles cuida não individual, mas coletivamente, e a qual, aliás, logo chamamos de “arte de cuidar dos rebanhos”?

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — Ali também cometemos algum erro. Em nenhum lugar consideramos o político nem falamos em seu nome; antes, afastamo-nos dele sem dar-nos conta, embora acreditando referirmo-nos a ele.

SÓCRATES, O JOVEM — Como assim?

ESTRANGEIRO — Cuidar de seu rebanho, para si mesmo, é comum a todos os demais pastores; mas ao político não cabia o nome que lhe atribuímos; seria necessário, pois, um nome que servisse a todos, ao mesmo tempo.

SÓCRATES, O JOVEM — O que dizes é certo, desde que tal nome exista.

ESTRANGEIRO — Como não? O cuidado para com os rebanhos desde que não se determine como alimentação ou qualquer outro cuidado específico, não é comum a todos? Falando, pois, da arte que se ocupa dos rebanhos, que por eles vela e deles cuida, designando a função que compete a todos, haveria um termo capaz de servir ao político e a todos os seus rivais, e é esse, precisamente, o fim de nossa pesquisa.