POL 275e-276c: Isto que é

SÓCRATES, O JOVEM — Bem, mas como proceder então à divisão que seguiria?

ESTRANGEIRO — Tal corno fizemos há pouco, ao dividir a arte de cuidar de rebanhos enumerando: animais que andam sobre a terra e não-voadores, animais que não se cruzam e animais sem chifres. Procedendo por distinções análogas poderemos, numa mesma noção, compreender a arte que cuida dos rebanhos no período atual e aquela que se exerce sob o reino de Crono.

SÓCRATES, O JOVEM — É o que parece; mas o que seguiria daí?, pergunto eu.

ESTRANGEIRO — É claro que assim caracterizando a arte que se ocupa dos rebanhos jamais ouviríamos alguém duvidar de que ela implicasse algum cuidado, qualquer que fosse. Ora, vimos há pouco, com razão, que não existe arte alguma entre nós que pudesse ser entendida como a de cuidar dos rebanhos; e ainda, se existisse, muitos homens haveriam de pretender, com maior pressa e maior razão que qualquer rei, ser ela a sua arte.

SÓCRATES, O JOVEM — É exato.

ESTRANGEIRO — Pois bem. Nenhuma arte pretenderia, com maior pressa e maior razão do que a arte real, ter a si os cuidados para com a comunidade humana, em seu todo, e constituir-se numa arte de governo dos homens, em geral.

SÓCRATES, O JOVEM — Tens razão.

ESTRANGEIRO — Mas, dito isto, Sócrates, não nos apercebemos de que, ao fim de nossa análise, cometemos um grave erro?

SÓCRATES, O JOVEM — Qual?

ESTRANGEIRO — O seguinte: como poderíamos nós, supondo que existisse uma arte à qual coubesse cuidar dos rebanhos bípedes, tê-la por certa e desde logo dizer que essa arte é a do rei e a do político?

SÓCRATES, O JOVEM — E então?