ESTRANGEIRO — Isso dito, lembremos que a arte de tecer as vestimentas poderia parecer suficientemente explicada nessa exposição se não refletíssemos o bastante para ver que ainda não a distinguimos de artes muito próximas, que apenas lhe são auxiliares, e muito embora já a tenhamos separado de outras da mesma família.
SÓCRATES, O JOVEM — A que outras te referes?
ESTRANGEIRO — Não acompanhaste minhas palavras, ao que parece; teremos, pois, de voltar recomeçando pelo fim. Se alguma coisa compreendes com relação a parentesco, lembra-te de que há pouco pusemos de lado a fabricação de cobertas distinguindo entre o que serve de vestimenta e o que serve de manta.
SÓCRATES, O JOVEM — Entendo.
ESTRANGEIRO — E o que se faz com o linho, o esparto e com tudo o que acabamos de chamar, por analogia, nervos das plantas, eis uma fabricação que descartamos inteiramente; também separamos a arte de piscar, e a de unir furando e costurando, que tem como parte maior a cordoaria.
SÓCRATES, O JOVEM — Perfeitamente.
ESTRANGEIRO — Depois afastamos a peleria, que, pela curtidura, nos dá uma só peça; assim como a fabricação de telhados, quer para a construção, ou quer, em outras artes, para defender das águas correntes; e ainda todas as artes que permitem os diferentes engenhos de cercamento para proteger-nos contra roubos e atos de violência, e as que dirigem a feitura de tampas e a colocação de portas e que são as partes especiais da carpintaria. Afastamos também a fabricação de armas que é apenas uma divisão da indústria grande e complexa dos meios de defesa. E de início já eliminamos toda a parte da magia, que tem por objeto os antídotos, só deixando assim a arte que nos interessa, a que nos preserva do frio do inverno, fabricando-nos as defesas de lã, e que tem o nome de tecedura.
SÓCRATES, O JOVEM — De fato é o que parece.
ESTRANGEIRO — Mas, caro jovem, ainda não chegamos ao fim de nossa enumeração, pois ao iniciar a fabricação de vestimentas fazemos o contrário de tecer.
SÓCRATES, O JOVEM — Como assim?
ESTRANGEIRO — Tecer, afinal, consiste em entrelaçar.
SÓCRATES, O JOVEM — É certo.
ESTRANGEIRO — Falamos agora, precisamente, em separar o que estava unido e trançado.
SÓCRATES, O JOVEM — De que falas?
ESTRANGEIRO — Do que faz a arte do cordador; ou poderíamos dizer que tecer é cardar e que o cardador é, na verdade, um tecelão?
SÓCRATES, O JOVEM — Nunca.
ESTRANGEIRO — O mesmo acontece com a arte de fabricar urdiduras e tramas; chamá-la de tecedura seria faltar à verdade e à verossimilhança.
SÓCRATES, O JOVEM — Sem dúvida.
ESTRANGEIRO — E que dizemos da arte do pisoeiro em todas as suas formas e a do remendão; não terão nada a ver com a feitura das vestimentas ou dizemos que se trata sempre da tecedura?
SÓCRATES, O JOVEM — De nenhum modo.
ESTRANGEIRO — Entretanto, todas estas artes disputarão com a arte da tecedura este privilégio de cuidar e fabricar as vestimentas, e, embora lhe concedam maior importância, reivindicarão para si uma grande parte.
SÓCRATES, O JOVEM — Certamente.
ESTRANGEIRO — Segundo elas, as artes que fabricam os instrumentos, com os quais se exerce a tecedura, hão de pretender, creia-se, serem, pelo menos, causas auxiliares de cada tecido fabricado.
SÓCRATES, O JOVEM — É certo.