POL 281-283b: Ele também tem auxiliares

ESTRANGEIRO — A noção de tecedura, desta parte da tecedura que escolhemos, estará suficientemente determinada se, dentre todas as técnicas relativas às vestimentas de lã, nós a definirmos como a mais nobre e a mais importante? Ou ao contrário, estaríamos dizendo então algo de verdadeiro, mas que nada esclarece nem nada conclui, enquanto não houvéssemos afastado todas estas artes rivais?

SÓCRATES, O JOVEM — Tens razão.

ESTRANGEIRO — E não será este o momento para assim fazer, se quisermos que a nossa dissertação prossiga ordenadamente?

SÓCRATES, O JOVEM — Não há por que hesitar.

ESTRANGEIRO — Consideremos, pois, em primeiro lugar, que tudo aquilo que se produz é objeto de duas artes.

SÓCRATES, O JOVEM — Quais?

ESTRANGEIRO — Um é causa simplesmente auxiliar da produção, outro a sua própria causa.

SÓCRATES, O JOVEM — Como?

ESTRANGEIRO — Todas as artes que não produzem a coisa propriamente mas que fornecem àquelas que a produzem os instrumentos indispensáveis à sua execução são apenas causas auxiliares; ao passo que as que a produzem são causas próprias.

SÓCRATES, O JOVEM — A distinção é bem fundamentada.

ESTRANGEIRO — Por conseguinte, àquelas que fornecem os fusos, as lançadeiras e os demais instrumentos necessários à produção da vestimenta, nós chamaríamos auxiliares, enquanto as demais, que a executam e fabricam diretamente, seriam suas causas.

SÓCRATES, O JOVEM — Justamente.

ESTRANGEIRO — Ora, com relação a essas artes-causas, a arte de lavar e de remendar, e os demais cuidados relativos à vestimenta, sendo tão vasto o domínio de sua preparação, poderemos reuni-los num todo que constituirá uma parte e que se chamará, de modo geral, a arte do pisoeiro.

SÓCRATES, O JOVEM — Muito bem.

ESTRANGEIRO — Mas a arte de cardar, tecer e todas as operações relacionadas com aquilo que chamamos a fabricação direta da vestimenta formam uma arte única, universalmente conhecida: a arte de trabalhar a lã.

SÓCRATES, O JOVEM — Sem dúvida.

ESTRANGEIRO — Ora, nesse trabalho da lã há duas divisões, cada uma das quais é constituída pela reunião de duas artes.

SÓCRATES, O JOVEM — Como?

ESTRANGEIRO — A cardadura, a metade do trabalho que executa a lançadeira, e todas as operações cujo fim é separar o que estava embaraçado, tudo isto tomado em conjunto constitui verdadeiramente o trabalho da lã, e nós sempre distinguimos universalmente duas grandes artes: a arte de unir e a arte de separar.

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — Ora, na arte de separar incluem-se a cardadura e todas as operações de que falamos, pois o trabalho que separa as lãs ou os fios e que se executa aqui com a lançadeira, lá com as mãos, tem todos os nomes que acabamos de enunciar.

SÓCRATES, O JOVEM — Perfeitamente.

ESTRANGEIRO — Observemos agora outra parte que pertence também ao trabalho da lã e que é a arte de unir, deixando de lado a arte de separar que aí havíamos encontrado, dividindo, assim, o trabalho da lã em suas duas partes: aquela em que se separa e aquela em que se reúne.

SÓCRATES, O JOVEM — Façamos, pois, a divisão.

ESTRANGEIRO — Agora, esta parte que une, compreendida no trabalho da lã, deve ser dividida por sua vez, Sócrates, se quisermos apreender perfeitamente a chamada arte da tecedura.

SÓCRATES, O JOVEM — Sim, devemos dividi-la.

ESTRANGEIRO — Diríamos que sua finalidade é ou torcer ou entrelaçar.

SÓCRATES, O JOVEM — Terei compreendido bem? Pois a meu ver, é na confecção do fio da urdidura que pensas, ao falares em torção.

ESTRANGEIRO — Não apenas no fio da urdidura mas também no da trama. Ou haveria um meio de produção sem torcê-lo?

SÓCRATES, O JOVEM — Nenhum.

ESTRANGEIRO — Analisa, pois, pormenorizadamente cada uma dessas operações: talvez essa distinção te seja lição oportuna.

SÓCRATES, O JOVEM — Como fazê-lo?

ESTRANGEIRO — Do seguinte modo: entre os produtos da cardadura, existe um que possui comprimento e largura, a que chamamos roca?

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — Muito bem, pela fiação rotativa no fuso, que a transforma num sólido fio, obteremos o fio da urdidura e a arte que dirige esta operação é a arte de fabricar urdidura.

SÓCRATES, O JOVEM — Correto.

ESTRANGEIRO — Mas todas as fibras que produzem apenas fios frouxos e que possuem justamente a flexibilidade necessária para se entrelaçarem na urdidura e resistirem às trações da tecedura, chamamos fios da trama e dizemos que a arte que preside sua colocação tem por finalidade a fabricação da trama.

SÓCRATES, O JOVEM — Muito bem.

ESTRANGEIRO — Eis, pois, a parte da tecedura que nos interessava, perfeitamente compreensível daqui por diante. Quando a operação de reunião, que é a parte do trabalho da lã, entrelaçou a urdidura e a trama, de maneira a formar um tecido, damos, ao conjunto do tecido, o nome de vestimenta de lã, e, à arte que o produz, o nome de tecedura.

SÓCRATES, O JOVEM — Muito bem.

ESTRANGEIRO — Bem, mas então por que não dizer logo: “A tecedura é a arte de entrelaçar a urdidura e a trama” em lugar de fazer tantos rodeios e um acervo de distinções inúteis?

SÓCRATES, O JOVEM — A meu ver, Estrangeiro, nada há de inútil no que dissemos.