POL 283d-284c: A medida comparativa e a “justa medida”

ESTRANGEIRO — Dividamos, pois, essa arte em duas partes: tal divisão é necessária ao propósito que nos domina.

SÓCRATES, O JOVEM — Explica-me em que ela se fundamentará.

ESTRANGEIRO — No seguinte: de um lado, na relação que possuem entre si a grandeza e a pequenez; de outro, nas necessidades essenciais do devir.

SÓCRATES, O JOVEM — Que queres dizer?

ESTRANGEIRO — Não és da opinião de que o maior só é maior com relação ao menor, e o menor com relação ao maior, exclusivamente?

SÓCRATES, O JOVEM — Sim, certamente.

ESTRANGEIRO — Mas, então, aquilo que ultrapassa o nível da medida, ou permanece inferior a ele, seja em nossa conversa, seja na realidade, não é exatamente, a nosso ver, o que melhor denuncia a diferença entre os bons e os maus?

SÓCRATES, O JOVEM — Aparentemente.

ESTRANGEIRO — Eis-nos, pois, forçados a admitir, para o grande e para o pequeno, dois modos de existência e dois padrões: não nos podemos ater, como fazíamos há pouco, à sua relação recíproca, mas sim distinguir, como o fazemos agora, de um lado, sua relação recíproca e, de outro, a relação de ambos com a justa medida. Não nos seria interessante saber a razão disso?

SÓCRATES, O JOVEM — Certamente.

ESTRANGEIRO — Negar à natureza do maior qualquer relação que não seja com a natureza do menor, não será excluí-lo de toda relação com ajusta medida?

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — Não iríamos destruir, com tal pretensão, as artes e tudo o que elas produzem, e abolir, por outro lado, a própria política que procuramos definir e essa. arte da tecedura que acabamos de estudar? Pois podemos afirmar que, para todas essas artes, aquilo que se situa aquém ou além da justa medida não é uma coisa irreal; é, ao contrário, uma realidade desagradável que elas procuram afastar de suas produções, e é preservando a medida que elas asseguram a bondade e a beleza de suas obras.

SÓCRATES, O JOVEM — E evidente.

ESTRANGEIRO — Abolir a política não será impedir-nos de continuar nossa análise sobre a ciência real?

SÓCRATES, O JOVEM — Certamente.

ESTRANGEIRO — Façamos, pois, como na questão do sofista, em que fomos obrigados a afirmar a existência do não-ser. Essa existência constituía o único recurso de nosso raciocínio. Admitamos assim a comensurabilidade do mais e do menos; não apenas relacionados entre si, mas também com a justa medida que é necessário estabelecer. Pois é impossível colocar fora de toda dúvida a existência do político ou de qualquer outra competência em matéria de ação se não chegarmos a um acordo sobre esse ponto.

SÓCRATES, O JOVEM — Neste caso, na medida do possível façamos o mesmo com relação à questão presente.

ESTRANGEIRO — Esta tarefa, caro Sócrates, será maior do que a primeira, e lembremo-nos quão grande foi então. Mas eis, a esse respeito, uma previsão que podemos fazer com segurança.

SÓCRATES, O JOVEM — Qual?