POL 285c-287b: Lição para o método dialético

ESTRANGEIRO — Terminada esta discussão iniciemos outra, relacionada não apenas com a questão presente, mas com todas as que suscita este gênero de discussões.

SÓCRATES, O JOVEM — De que se trata?

ESTRANGEIRO — Supõe que nos proponham a seguinte questão: nas classes onde se aprende a ler, quando se pergunta a alguém de que letras é formada esta ou aquela palavra, fazemo-lo com o intuito de levá-lo a resolver esse problema particular ou com o intuito de torná-lo mais apto a resolver todos os problemas gramaticais possíveis?

SÓCRATES, O JOVEM — Todos os problemas possíveis, evidentemente.

ESTRANGEIRO — Que diremos, então, de nossa pesquisa sobre o político? É ela ditada diretamente pelo interesse que nos inspira, ou existe para nos tornar melhores dialéticos a propósito de todos os assuntos possíveis?

SÓCRATES, O JOVEM — Aqui, ainda, evidentemente para a formação geral.

ESTRANGEIRO — Aliás podemos afirmar que nenhum homem de bom senso consentiria em entregar-se a uma análise da noção da tecedura por amor à própria tecedura. Mas acredito que há uma coisa que o vulgo ignora: certas realidades possuem suas semelhanças naturais, fáceis de se descobrirem, em objetos que falam aos sentidos, e que podem com facilidade ser apontadas àqueles que pedem uma explicação, quando queremos dá-la facilmente, sem nos embaraçarmos com argumentos; mas as maiores e mais preciosas realidades não possuem imagens criadas que deem aos homens uma intuição clara, imagens que apontaríamos quando quiséssemos satisfazer a alma que nos interroga, e que bastaria adaptar a este ou àquele sentido para satisfazer a curiosidade. Assim é necessário procurarmos saber dar a razão de cada coisa e compreendê-la; pois as realidades incorpóreas, que são as maiores e mais belas, revelam-se apenas à razão e somente a ela, e é a tais realidades que se refere nossa discussão de agora. Além disso, é mais fácil, qualquer que seja o assunto de que se trate, servir-mo-nos de pequenos exemplos em lugar de grandes.

SÓCRATES, O JOVEM — Falaste muito bem.

ESTRANGEIRO — Lembremo-nos por que fizemos, a esse propósito, tão longas reflexões.

SÓCRATES, O JOVEM — Por quê?

ESTRANGEIRO — Exatamente devido ao tédio que experimentamos ao falar dos pormenores da tecedura, que realmente nos aborreceram, do grande discurso sobre a revolução retrógrada do universo, e dessa discussão em torno do sofista, sobre a existência do não-ser. Sentimos que essas exposições foram demasiado extensas, censurando-nos por isso, e temendo que não passassem de digressões, e digressões excessivamente prolongadas. Foi, pois, com o propósito de evitar para o futuro semelhantes minúcias, que fizemos todas as observações precedentes.

SÓCRATES, O JOVEM — Entendido. Continua.

ESTRANGEIRO — Creio, pois, que tu e eu devemos lembrar-nos das observações agora feitas, quando censurarmos ou aprovarmos a extensão ou brevidade de nossas conversações sobre qualquer assunto, a fim de não avaliar suas extensões por sua relação recíproca, mas antes por esta parte da arte de medir que recomendamos há pouco à nossa lembrança: a conveniência.

SÓCRATES, O JOVEM — Muito bem.

ESTRANGEIRO — Mas, agora, não sujeitemos todas as coisas a esta regra. Pois a necessidade de agradar nos imporá o cuidado das proporções, apenas acessoriamente; e quanto à solução do problema apresentado, encontrá-la da maneira mais fácil e pronta possível deve ser apenas uma preocupação secundária e não uma finalidade primordial, se dermos crédito à razão, que nos aconselha a preferir e a colocar em primeiro lugar o método que prescreve a divisão por espécies; e, mesmo que um discurso seja demasiado longo, prosseguir resolutamente se isso torna mais hábil àquele que o ouve, sem nos preocuparmos agora com sua extensão como antes com sua brevidade. Aliás, não podemos desprezar rápida e sumariamente o julgamento que censura a extensão do discurso em conversas como as nossas, e reprova as digressões que o acompanham, com este simples comentário: “essas conversações são muito longas”; devemos antes demonstrar que se fossem mais breves tornariam os ouvintes mais aptos à dialética e mais hábeis em encontrar raciocínios que lançassem luz sobre a verdade; com relação às demais críticas ou elogios fingidos não compreender apreciações dessa natureza. Eis-nos, entretanto, muito longe, se concordas comigo: retornemos, pois, ao político, aplicando a ele nosso exemplo sobre a tecedura.

SÓCRATES, O JOVEM — Tens razão. Façamos como dizes.