POL 287d-289d: As sete artes

ESTRANGEIRO — Realmente é difícil a tarefa que nos propusemos, procurando distinguir este gênero dos demais, pois não há nada que não se possa com alguma razão chamar de instrumento disto ou daquilo. Há, entretanto, entre os objetos que possui a cidade, uma espécie que é necessário caracterizar de outro modo.

SÓCRATES, O JOVEM — Como?

ESTRANGEIRO — Suas propriedades são diferentes. Pois ela não é fabricada como instrumento, para servir à produção de qualquer coisa, mas para conservá-la, uma vez produzida.

SÓCRATES, O JOVEM — A que te referes?

ESTRANGEIRO — A esta espécie variada, produzida para a preservação dos objetos secos ou úmidos, preparados ao fogo ou não, à qual damos o nome comum de vasilhame, espécie certamente muita rica e que não pertence de maneira alguma à ciência em questão.

SÓCRATES, O JOVEM — Sem dúvida alguma.

ESTRANGEIRO — Vejamos agora uma terceira espécie de objetos, absolutamente diferente das outras: terrestre ou aquática, móvel ou fixa, preciosa ou sem preço possui um nome apenas, pois sua finalidade é simplesmente dar um assento, servindo de sede a alguma coisa.

SÓCRATES, O JOVEM — De que se trata?

ESTRANGEIRO — Chamamo-los, geralmente, veículos315: são obras não da política, mas do carpinteiro, do oleiro e do ferreiro.

SÓCRATES, O JOVEM — Compreendo.

ESTRANGEIRO — Qual será a quarta? Não será necessário distinguir das espécies precedentes uma que compreende a maior parte das coisas antes mencionadas, o conjunto dos objetos de vestuário, a maior parte das armas, os muros, os abrigos de terra ou pedras e uma multidão de coisas semelhantes? E, já que todo esse conjunto é feito para abrigar, é justo dar-lhe o nome geral de abrigo. Aliás, a maioria delas se incluiria com maior propriedade na arte do arquiteto ou do tecelão do que na política.

SÓCRATES, O JOVEM — Perfeitamente.

ESTRANGEIRO — Admitamos ainda uma quinta espécie constituída pela ornamentação e pintura, com todas as imitações que esta última ou a música produzem, e cuja finalidade é nosso prazer. Não será justo reuni-las sob um único nome?

SÓCRATES, O JOVEM — Qual nome?

ESTRANGEIRO — Chamam-lhe, creio, divertimento.

SÓCRATES, O JOVEM — Sem dúvida.

ESTRANGEIRO — Ora, esse será o nome que lhe convirá como denominação geral, pois entre todas elas nenhuma possui propósito sério: constituem todas, unicamente, uma distração.

SÓCRATES, O JOVEM — Compreendo muito bem.

ESTRANGEIRO — Mas aquilo que serve de corpo a tudo isso, aquilo de que e no que todas as artes de que falamos fabricam suas obras, esta espécie diversa, produzida por tantas artes diferentes, não a classificaremos em sexto lugar?

SÓCRATES, O JOVEM — A que te referes?

ESTRANGEIRO — Ao ouro, à prata e a tudo que se extrai das minas; a tudo que corta ou seciona a madeira a fim de fornecê-la ao carpinteiro ou ao cesteiro; em seguida à arte de descascar plantas ou àquela do curtidor tirando a pele aos animais; a todas as artes conexas, àquelas que preparam a cortiça, o papiro, as ataduras; a todo esse conjunto de artes que fornecem os gêneros simples dos quais obteremos espécies mais complexas. Com tudo isto formaremos um todo a que chamaremos a primeira aquisição do homem, todo isento ainda de qualquer composição e que não é absolutamente a obra da ciência real.

SÓCRATES, O JOVEM — Muito bem.

ESTRANGEIRO — Relativamente ao alimento e a todas as coisas que, reunindo-se ao nosso corpo, são próprias ao sustento de suas partes, por intermédio dessas próprias partes, formamos uma sétima espécie que, coletivamente, chamaremos a alimentação, se não encontrarmos expressão melhor. Ora, atribuindo-as à agricultura, caça, ginástica, medicina e cozinha estaremos mais certos que se as atribuirmos à política.

SÓCRATES, O JOVEM — Sem dúvida alguma.