ESTRANGEIRO — Prossigamos e examinemos aqueles que restam, abordando-os de perto para ter um conhecimento mais seguro.
SÓCRATES, O JOVEM — Façamo-lo.
ESTRANGEIRO — Do nosso ponto de vista os mais ínfimos entre os servidores se nos apresentam com uma função e um caráter absolutamente contrários ao que imaginamos.
SÓCRATES, O JOVEM — Quem são eles?
ESTRANGEIRO — Aqueles que compramos ou adquirimos de modo semelhante. Devemos, sem dúvida, chamá-los escravos, e não têm a mínima participação na arte real.
SÓCRATES, O JOVEM — Sem dúvida alguma.
ESTRANGEIRO — E então? Os homens livres que, voluntariamente, se dedicam ao serviço daqueles que acabamos de mencionar, desempenhando, entre a agricultura e as outras artes, o papel de intermediários e compensadores, quer nos mercados, quer de cidade em cidade por terra ou por mar, trocando moeda, quer se chamem cambistas, comerciantes, armadores ou revendedores, possuem eles qualquer pretensão política?
SÓCRATES, O JOVEM — Talvez sim, a comercial pelo menos.
ESTRANGEIRO — Em todo o caso, não há perigo de que esses assalariados e interessados, que vemos oferecer seus serviços a qualquer que se apresente, possuam jamais uma participação na função real.
SÓCRATES, O JOVEM — Certamente não.
ESTRANGEIRO — Que dizer dos homens através dos quais sempre nos foram prestados certos serviços?
SÓCRATES, O JOVEM — Que homens e que serviços?
ESTRANGEIRO — Refiro-me aos arautos e a todos aqueles que, à força de prestarem serviços, se tornam hábeis letrados; e a outros, cuja universal competência leva a múltiplos trabalhos junto às magistraturas. Como os chamaremos?
SÓCRATES, O JOVEM — Como dizias há pouco., servidores e não chefes possuidores de autoridade própria nas cidades.
ESTRANGEIRO — Creio, entretanto, que não sonhei ao afirmar que dentre eles surgiriam os mais declarados pretendentes à política; e seria estranho procurá-los em qualquer outra atividade.
SÓCRATES, O JOVEM — Certamente.
ESTRANGEIRO — Aproximemo-nos agora daqueles que ainda não foram examinados; e dentre eles, em primeiro lugar, dos que se dedicam à arte do adivinho, praticando certamente uma ciência útil, pois passam por intérpretes dos deuses junto aos homens.
SÓCRATES, O JOVEM — Sim.
ESTRANGEIRO — Em seguida, há a classe sacerdotal que, segundo afirma a crença pública, oferece aos deuses em nosso nome os sacrifícios que eles desejam, dirigindo-lhes as preces necessárias para que nos outorguem seus favores. Ora, creio que numa ou noutra dessas funções praticam uma arte útil.
SÓCRATES, O JOVEM — Sim, é o que parece.
ESTRANGEIRO — Eis-nos, pois, a meu ver, a caminho do fim a que nos propusemos, pois que os sacerdotes e os adivinhos parecem ter grande importância e desfrutam de grande prestígio pela grandeza de seus empreendimentos. Assim é que no Egito um rei não pode reinar se não possuir a dignidade sacerdotal e se, por acaso, apoderar-se do governo, pertencendo a uma classe inferior, deverá, finalmente, fazer-se admitir nesta última casta. Entre os gregos também, na maioria das vezes, é aos mais altos magistrados que se confia a tarefa de realizar os mais importantes desses sacrifícios, e entre vós, aliás, parece verificar-se claramente o que digo, pois são também os magistrados que pela sorte se tornaram reis que se incumbem dos antigos e mais solenes sacrifícios consagrados pela tradição.
SÓCRATES, O JOVEM — Perfeitamente.