POL 292d-303d: O problema da lei

ESTRANGEIRO — O problema que se apresenta, doravante, é, pois, necessariamente o seguinte: em qual dessas constituições reside a ciência do governo dos homens, a mais difícil e a maior de todas as ciências possíveis de se adquirir? Pois essa é a ciência que é necessário considerar se quisermos saber que rivais devemos afastar do rei competente, concorrentes que pretendem ser políticos, persuadindo a muitos de que o são, embora não o sejam de maneira alguma.

SÓCRATES, O JOVEM — Sim, segundo o que já se demonstrou na discussão, essa separação realmente se impõe.

ESTRANGEIRO — Muito bem! Poderemos acreditar que numa cidade toda a multidão seja capaz de adquirir essa ciência?

SÓCRATES, O JOVEM — Impossível.

ESTRANGEIRO — E será que numa cidade de mil habitantes, haveria cem ou cinquenta capazes de chegar a adquiri-la de maneira satisfatória?

SÓCRATES, O JOVEM — Nesse caso, a política seria a mais fácil de todas as artes; pois sabemos muito bem que em toda a Grécia não encontramos tal proporção, por mil, nem entre os campeões do jogo de damas, e muito menos a encontraríamos entre os reis. Pois só merecem, realmente, o título de rei os que possuem a ciência real, quer reinem ou não, como anteriormente dissemos.

ESTRANGEIRO — Tens razão em lembrar-me. A conclusão, pois, ao que me parece é de que a forma correta de governo é a de apenas um, de dois, ou de quando muito alguns, se é que esta forma correta possa realizar-se.

SÓCRATES, O JOVEM — Claro.

ESTRANGEIRO — E quer governem a favor ou contra a vontade do povo; quer se inspirem ou não em leis escritas; quer sejam ricos ou pobres, é necessário considerá-los chefes, de acordo com o nosso atual ponto de vista, desde que governem competentemente por qualquer forma de autoridade que seja. Assim como aos médicos, quer nos curem contra ou por nossa própria vontade, quer nos operem, cauterizem ou nos inflijam qualquer outro tratamento doloroso, quer sigam regras escritas ou as dispensem, quer sejam pobres ou ricos, não hesitamos absolutamente em chamá-los médicos, bastando para isso que suas prescrições sejam ditadas pela arte; que purificando-nos ou diminuindo nossa gordura por qualquer modo, ou, ao contrário, aumentando-a, pouco importa, eles o façam para o bem do corpo, melhorando seu estado, e que, como médicos, assegurem a saúde dos seres que lhes são confiados. Essa é, a meu ver, a única maneira de definir corretamente a medicina e qualquer outra arte.

SÓCRATES, O JOVEM — Certamente.

ESTRANGEIRO — Necessariamente, pois, parece

que entre todas as constituições, esta será absoluta e unicamente a exata, na qual os chefes seriam possuidores da ciência verdadeira e não de um simulacro de ciência; e esses chefes, quer se apóiem ou não em leis, quer sejam desejados ou apenas suportados, pobres ou ricos, nada disso assume a menor importância na apreciação desta norma exata.

SÓCRATES, O JOVEM — Muito bem.

ESTRANGEIRO — É indiferente também que eles sejam obrigados a matar ou exilar alguém a fim de purificar e sanear a cidade; que exportem emigrantes como enxames de abelhas, para tornar menor a população, ou importem pessoas do estrangeiro, concedendo-lhes cidadania, a fim de torná-la maior. Enquanto se valerem da ciência e da justiça, a fim de conservá-la, tornando-a a melhor possível, e por semelhantes termos definida, uma constituição deve ser, para nós, a única constituição correta. Quanto às demais, que mencionamos, acreditamos não serem constituições legítimas, nem verdadeiras: não passam de imitações que, se produzem boas leis, é por serem apenas cópia dos melhores traços desta constituição correta, e, em caso contrário, por copiar-lhe os seus piores traços.