POL 297e-299e: O que não deve ser a lei

ESTRANGEIRO — Voltemos, pois, às imagens indispensáveis ao nosso propósito de descrever os chefes de predicados reais.

SÓCRATES, O JOVEM — Que imagens?

ESTRANGEIRO — A do verdadeiro piloto e a do médico que vale por outras. Consideremos a hipótese que vamos imaginar, a esse respeito.

SÓCRATES, O JOVEM — Que hipótese?

ESTRANGEIRO — A seguinte: suponhamos que nós todos digamos quão terrivelmente sofremos em suas mãos. Queiram eles, um ou outro, salvar qualquer um de nós, e o farão; queiram maltratar indignamente e o farão, cortando, queimando, exigindo pagamentos que são verdadeiros tributos dos quais uma parte pequena ou nula é empregada em proveito do doente, e o resto para seu uso próprio ou de sua casa; e, o que é pior, deixam-se por fim comprar pelos parentes ou outros inimigos do doente, e o matam. Os pilotos por sua vez fazem mil coisas semelhantes: maquinam astuciosamente para abandonar homens em qualquer lugar solitário quando se põem ao largo, fazem manobras falsas em pleno oceano, jogando homens ao mar, planejando mais outras traições. Supõe, pois, que considerando tudo isso, tomemos em conselho a seguinte resolução: não será permitido a nenhuma dessas duas artes exercer controle absoluto sobre quem quer que seja, escravos ou homens livres; reunir-nos-íamos em assembleia, todo o povo ou somente os ricos, permitindo aos incompetentes e pessoas de todas as profissões dar opinião sobre a navegação e as doenças, dizendo como devem ser aplicados os remédios e os instrumentos de medicina aos enfermos, como devem ser manobrados os navios e os instrumentos náuticos, seja para navegar ou para escapar aos perigos da travessia, causados pelos ventos, pelo mar ou pelos encontros com piratas, e ainda como lutar nos combates navais em batalhas de navios de guerra, contra outros da mesma espécie. As decisões tomadas pela multidão, a esse respeito, por inspiração ou não de médicos, pilotos ou de simples leigos, seriam escritas em colunas ou esteias, ou então, mesmo que não escritas, teriam força de costumes nacionais: seriam elas o critério pelo qual se regulariam para sempre, e a partir de então, a navegação por mar e o tratamento dos enfermos.

SÓCRATES, O JOVEM — As coisas que dizes são sumamente absurdas.

ESTRANGEIRO — Anualmente seriam escolhidos chefes, quer entre os ricos ou entre o povo, por meio de sorteio; e os chefes escolhidos desse modo agiriam de acordo com a lei escrita, dirigindo os navios ou tratando os enfermos.

SÓCRATES, O JOVEM — O que dizes é ainda mais incompreensível.

ESTRANGEIRO — Considera agora o que segue. Quando cada governo houvesse terminado a sua gestão anual, seria necessário organizarem-se tribunais de juízes sorteados entre os ricos ou entre uma lista preparada anteriormente e conduzir a esses tribunais os dirigentes que deveriam prestar suas contas; qualquer pessoa que desejasse poderia acusá-los de não haverem, no decurso desse ano, dirigido os navios de conformidade com a lei escrita ou de haverem dirigido em desacordo com os vetustos costumes dos antepassados. A mesma oportunidade seria dada contra aqueles que trataram dos enfermos e, aos condenados, os juízes fixariam as penas a aplicar ou a multa a pagar.