POL 303d-305e: Retorno às artes adjuvantes

ESTRANGEIRO — Resta ainda outro bando muito mais difícil de separar por estar ao mesmo tempo mais próximo ao gênero real e ser mais difícil de discernir: parece-me estarmos na mesma situação daqueles que refinam o ouro.

SÓCRATES, O JOVEM — Como?

ESTRANGEIRO — Aqueles que fazem esse trabalho começam, eles também, por uma eliminação, rejeitando a terra, as pedras e muitas outras impurezas; depois disso permanecem na mistura os metais preciosos da mesma família do ouro que se separa pelo fogo, o cobre, à parte e, algumas vezes, também o diamante. Assim, dificilmente separados pelas chamas, deixam a descoberto o que chamamos ouro puro.

SÓCRATES, O JOVEM — É exatamente assim que acontece, pelo que se diz.

ESTRANGEIRO — Parece-me que seguimos o mesmo processo, separando da ciência política tudo aquilo que difere dela, que lhe é estranho e hostil, e conservando apenas as ciências preciosas, suas parentes. São elas a ciência militar, a ciência jurídica e toda essa retórica aliada da ciência real, que, de comum acordo com ela, emprestando à justiça sua força persuasiva, governa toda a atividade no interior das cidades. Qual será, pois, o meio mais fácil de separá-las, revelando em estado puro e despido de toda a combinação o objeto que procuramos?

SÓCRATES, O JOVEM — É isso evidentemente que nos é necessário tentar de qualquer maneira.

ESTRANGEIRO — Se não se trata senão de tentar, seja!, nós o encontraremos. E para melhor compreendê-lo recorramos à música. Assim, dize-me. . .

SÓCRATES, O JOVEM — Quê?

ESTRANGEIRO — A música requer um aprendizado, e não acontece o mesmo com todas as artes que exigem exercícios manuais?

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — E então? Não será ainda uma ciência que decidirá da necessidade ou não de aprendermos esta ou aquela dessas ciências? Que achas?

SÓCRATES, O JOVEM — Sim, será uma ciência:

ESTRANGEIRO — Não concordamos em que ela é distinta das primeiras?

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — Deveriam as demais ciências ser superiores a esta ou nenhuma delas será superior às outras? Ou é a esta ciência que pertencem o controle e a direção geral?

SÓCRATES, O JOVEM — A ela sobre todas as demais.

ESTRANGEIRO — Entre a ciência que decide se é necessário ou não aprender e aquela que ensina, declaras, pois, que é à primeira que nós devemos dar a primazia.

SÓCRATES, O JOVEM — Certamente.

ESTRANGEIRO — Dá-se o mesmo entre aquela que decide da necessidade ou não de persuadir e aquela que sabe persuadir?

SÓCRATES, O JOVEM — Sem dúvida.

ESTRANGEIRO — Muito bem. A que ciência atribuiremos, pois, a virtude de persuadir as massas e multidões, narrando-lhes fábulas em lugar de instruí-las?

SÓCRATES, O JOVEM — Isso pertence evidentemente à retórica, ao que me parece.

ESTRANGEIRO — Mas a que ciência atribuiremosa decisão de saber se se deve — tratando-se destas ou daquelas pessoas, neste ou naquele caso — usar de força ou de persuasão, ou simplesmente nada fazer?

SÓCRATES, O JOVEM — Àquela que governa a arte de persuadir e de falar.

ESTRANGEIRO — Ora, acredito que ela não é outra senão aquela de que é dotado o político.

SÓCRATES, O JOVEM — Disseste muito bem.

ESTRANGEIRO — Eis, pois, ao que parece, esta famosa retórica rapidamente separada da política: pertence a uma outra espécie e é sua subordinada.

SÓCRATES, O JOVEM — Sim.

ESTRANGEIRO — Mas que pensar desta outra faculdade?

SÓCRATES, O JOVEM — Qual?

ESTRANGEIRO — A de saber como fazer guerra àqueles a quem decidimos fazê-la: diríamos que a guerra depende de uma arte ou que esta arte lhe é estranha?

SÓCRATES, O JOVEM — Como poderíamos considerá-la estranha à arte quando ela é a causa da estratégia e de toda operação bélica?

ESTRANGEIRO — Mas a arte que sabe e pode decidir se é necessário fazer a guerra ou viver em paz é a mesma ou é necessário distingui-la?

SÓCRATES, O JOVEM — Distingui-la-emos, necessariamente, para sermos consequentes conosco mesmos.

ESTRANGEIRO — Afirmaremos, pois, que ela dirige a outra, se quisermos permanecer fiéis às nossas afirmativas precedentes?

SÓCRATES, O JOVEM — É minha opinião.

ESTRANGEIRO — Entretanto, considerando a sabedoria e a vastidão da arte bélica e seu conjunto, que outra ciência poderíamos dizer sua soberana, a não ser a verdadeira ciência real?

SÓCRATES, O JOVEM — Nenhuma outra.

ESTRANGEIRO — Não colocaríamos, pois, no mesmo plano que a política, uma ciência que a ela é apenas subordinada, a ciência dos generais?

SÓCRATES, O JOVEM — Claro que não.

ESTRANGEIRO — Adiante examinaremos, também, a força que possuem os juízes quando julgam corretamente.

SÓCRATES, O JOVEM — Muito bem.

ESTRANGEIRO — Estende-se ela além das decisões em matéria de contratos, decisões baseadas em artigos de leis que ele recebe prontos das mãos do rei legislador, julgando da justiça ou injustiça desses atos, e aí revelando aquilo que é próprio da virtude judiciária, que nem presentes nem temores, piedades, ódios ou amores de espécie alguma poderão levar a violar voluntariamente o que foi estabelecido pelo legislador nas decisões que devem fazer entre as queixas opostas dos querelantes?

SÓCRATES, O JOVEM — Não, sua força não se estende além do que dizes.

ESTRANGEIRO — Vemos, assim, que os juízes não se elevam à força real: são apenas guardiães das leis e subordinados a essa força.

SÓCRATES, O JOVEM — Aparentemente.

ESTRANGEIRO — O que nos resta verificar, após havermos assim examinado todas as ciências, é que nenhuma delas nos aparece como a ciência política. A verdadeira ciência real não possui, com efeito, obrigações práticas: dirige, ao contrário, aquelas que existem para realizar essas obrigações, pois sabe que ocasiões são favoráveis ou não para iniciar ou levar adiante os grandes empreendimentos e as demais apenas executarão suas ordens.

SÓCRATES, O JOVEM — Tens razão.

ESTRANGEIRO — Assim, as ciências que acabamos de passar em revista, se bem que nenhuma delas seja senhora de si mesma nem das demais, possuem, entretanto, cada uma delas, seu gênero de atividade que lhe dá, justamente, seu nome particular.

SÓCRATES, O JOVEM — Aparentemente, pelo menos.

ESTRANGEIRO — Mas àquela que dirige a todas, que tem o cuidado das leis e dos assuntos referentes à polis, e que une todas as coisas num tecido perfeito, apenas lhe faremos justiça escolhendo um nome bastante amplo para a universalidade de sua função e chamando-a a política.

SÓCRATES, O JOVEM — Perfeitamente.