SÓCRATES, O JOVEM — Que queres dizer?
ESTRANGEIRO — Nada do que comumente se diz: pois se afirma que todas as partes da virtude são naturalmente amigas.
SÓCRATES, O JOVEM — Sim.
ESTRANGEIRO — Examinemos, pois, com bastante atenção se sua amizade é tão absoluta como se diz ou se, ao contrário, existe alguma que seja diferente de suas congêneres.
SÓCRATES, O JOVEM — Entendido; explica somente como deve ser feito esse exame.
ESTRANGEIRO — Procurando, em todos os domínios, as coisas que chamamos belas, mas que classificamos sob duas espécies contrárias uma da outra.
SÓCRATES, O JOVEM — Explica-te mais claramente.
ESTRANGEIRO — Já elogiaste ou ouviste elogiar diante de ti a rapidez e a velocidade, quer se revelem nos corpos, nas almas ou nos movimentos da voz, quer pertençam às próprias realidades ou às imagens realizadas pelo esforço de imitação da música ou da pintura?
SÓCRATES, O JOVEM — E então?
ESTRANGEIRO — Recordas também como se expressa este elogio em todas as ocasiões?
SÓCRATES, O JOVEM — Não, absolutamente.
ESTRANGEIRO — Seria eu capaz de explicar-te por fórmulas que traduzem bem meu pensamento?
SÓCRATES, O JOVEM — Por que não?
ESTRANGEIRO — Pareces acreditar que isso é muito fácil: examinemo-lo considerando gêneros contrários uns aos outros. Em muitas ações, com efeito, e em muitas circunstâncias, quando nos sentimos encantados pela velocidade, pela força, pela vivacidade do pensamento, do corpo ou da voz, nossa admiração encontra apenas uma palavra para se exprimir: energia.
SÓCRATES, O JOVEM — Como?
ESTRANGEIRO — Dizemos, por exemplo, que é vivo e enérgico, pronto e enérgico, ou forte, e assim por diante: em suma, é aplicando a todas essas qualidades o epíteto comum de que falo, que fazemos o seu elogio.
SÓCRATES, O JOVEM — Sim.
ESTRANGEIRO — E então? A maneira tranquila pela qual uma coisa se faz, não constitui uma nova espécie que muitas vezes também elogiamos a propósito de muitas ações?
SÓCRATES, O JOVEM — Certamente.
ESTRANGEIRO — E não empregamos, ao falar, expressões contrárias às precedentes?
SÓCRATES, O JOVEM — Como?
ESTRANGEIRO — Todas as vezes que chamamos de pacíficos e sábios os pensamentos ou ações cuja lentidão e doçura admiramos, ou então os sons unidos e graves ou ainda todo movimento bem cadenciado e toda produção artística que se desenvolve numa lentidão oportuna, em todos esses casos já não é da energia que falamos mas sim da sobriedade.
SÓCRATES, O JOVEM — É bem verdade.
ESTRANGEIRO — Ao contrário, se uma ou outra dessas qualidades opostas se manifesta fora de propósito, mudamos de linguagem e, para criticá-los, recorremos a epítetos cuja intenção é bem outra.
SÓCRATES, O JOVEM — Como assim?
ESTRANGEIRO — Se as coisas de que falamos nos aparecem mais vivas, mais rápidas, mais rudes do que convém, nós a chamaremos violentas, extravagantes; mais graves, mais lentas, mais brandas do que convém, nós a chamaremos frouxas, indolentes. E, quase sempre, essas qualidades, assim como as qualidades opostas de moderação e energia, se revelam a nós como caracteres que a sorte fixou em duas facções inimigas, incapazes que são de se unirem uns aos outros nas ações em que se realizam; e por menos que observemos os espíritos que possuem esses caracteres, encontraremos neles os mesmos conflitos. SÓCRATES, O JOVEM — Onde?
ESTRANGEIRO — Em todas as circunstâncias que acabamos de descrever e, naturalmente, em muitas outras. Pois, segundo as afinidades que possuem com uma ou outra tendência, elogiam aquela onde encontram um pouco de sua própria natureza, censurando a outra que sentem ser estranha, tomando-se, dessa forma, de ódios sem fim contra inúmeras pessoas.
SÓCRATES, O JOVEM — Parece-me que assim é.
ESTRANGEIRO — Ora, este simples conflito de caracteres não passa de um jogo. Entretanto, nas coisas graves torna-se a enfermidade mais perigosa que há para as cidades.
SÓCRATES, O JOVEM — A que coisas graves te referes?
ESTRANGEIRO — Naturalmente àquelas que dizem respeito à organização da vida. Há, com efeito, pessoas dotadas de um temperamento extremamente moderado; dispostas a levar uma vida de perpétua tranquilidade, elas se afastam e se isolam para ocupar-se de seus negócios e, revelando essa disposição, conservam-na com relação às cidades estrangeiras, sempre prontas, também aqui, a qualquer espécie de paz. Por este amor verdadeiramente intempestivo chegam elas inconscientes, vivendo ao sabor de seus desejos, a perder toda aptidão para a guerra, a educar seus jovens nessa incapacidade, colocando-os à mercê do primeiro assaltante: não são necessários muitos anos para que se encontrem elas, seus filhos, e toda a sua cidade, transformados de livres em escravos, sem que disso se apercebam.
SÓCRATES, O JOVEM — Dura e terrível sorte!
ESTRANGEIRO — Que dizer daqueles mais inclinados à energia? Não têm sempre alguma nova guerra para onde arrastar sua cidade, pela enorme paixão que nutrem por esse gênero de vida, expondo sua pátria aos ódios tão numerosos e fortes que a arrastam à sua ruína completa ou a colocam sob a servidão e o jugo inimigo?
SÓCRATES, O JOVEM — É o que também sucede.
ESTRANGEIRO — Como, pois, negar que há entre esses dois gêneros de espíritos uma fonte contínua e profunda de inimizade e discórdia?
SÓCRATES, O JOVEM — Impossível negá-lo.