POL 308b-309a: Seleção do que entrar na constituição

ESTRANGEIRO — Não temos assim verificado o primeiro ponto de nossa pesquisa, isto é, que certas partes da virtude, e não pequenas, são por natureza opostas entre si, e engendram, nos espíritos onde residem, as mesmas oposições?

SÓCRATES, O JOVEM — Parece.

ESTRANGEIRO — Examinemos, agora, o ponto seguinte.

SÓCRATES, O JOVEM — Qual?

ESTRANGEIRO — Procuremos saber se entre as ciências combinatórias há alguma que por ser a mais humilde, aceite, ao compor uma outra de suas obras, tanto os maus como os bons elementos; ou se o esforço de toda ciência é, em qualquer domínio, o de eliminar o mais possível os maus elementos conservando os elementos úteis e bons e, quer sejam estes semelhantes ou dessemelhantes, fundi-los todos numa obra que seja perfeitamente una por suas propriedades e estrutura.

SÓCRATES, O JOVEM — Claro!

ESTRANGEIRO — Nossa política, a política verdadeiramente conforme à natureza, jamais consentiria em constituir uma cidade formada de bons e maus. Ao contrário, começaria, evidentemente, por submetê-los à prova do jogo, e, terminada essa prova, confiá-los-ia a educadores competentes e habilitados para esse serviço. Reservaria, entretanto, a si o governo e a direção, assim como faz o tecedor com relação aos cardadores e a todos os demais auxiliares que preparam os materiais que ele urdirá, mantendo-se constantemente junto deles para governar e dirigir todos os seus movimentos, e determinando a cada um as obrigações que julga necessárias ao seu próprio trabalho de tecedura.

SÓCRATES, O JOVEM — Perfeitamente.

ESTRANGEIRO — Ora, assim também, ao que me parece, fará a ciência real com relação a todos aqueles que, sob a égide das leis, ministram a instrução e a educação: reservará a si a autoridade diretiva, não permitindo treinamento algum que não tenda a facilitar sua própria amálgama, formando caracteres que se prestem a isso, e recomendará a eles que tudo ensinem nesse espírito. Se houver caracteres aos quais não seja possível comunicar energia, temperança e outras inclinações virtuosas, que sejam arrastados, ao contrário, pelo ímpeto de natureza má, ao ateísmo, à imoderação e à injustiça, deles se livrando a ciência real, por sentenças de morte ou exílio e por penas as mais infamantes.

SÓCRATES, O JOVEM — Essa é, pelo menos, a doutrina usual.

ESTRANGEIRO — Aqueles que permanecem na ignorância e abjeção ela submeterá ao jugo da escravidão.

SÓCRATES, O JOVEM — Muito bem.