POL 309a-310e: Como procede o tecelão real

ESTRANGEIRO — Quanto aos demais, suficientemente bem nascidos para que uma boa formação possa levá-los às virtudes generosas e para que um método hábil possa amalgamá-los uns aos outros, se se inclinarem mais para a energia, pela rigidez de seu caráter, a ciência real marcará o seu lugar na urdidura; os outros que se inclinam mais para a moderação constituem, para essa mesma ciência, e prosseguindo em nossa comparação, o tecido flexível e brando da trama. Sendo opostas suas tendências, a política se esforça por uni-los e entrelaçá-los da seguinte maneira.

SÓCRATES, O JOVEM — Que maneira?

ESTRANGEIRO — Reúne, em primeiro lugar, segundo as afinidades, a parte eterna de sua alma com um fio divino, e em seguida, depois dessa parte divina, une a parte animal com fios humanos.

SÓCRATES, O JOVEM — Que queres novamente dizer?

ESTRANGEIRO — Se uma opinião realmente verdadeira e firme se estabelece nas almas, a propósito do belo, do bom, do justo e de seus opostos, digo que algo divino se realizou numa raça demoníaca.

SÓCRATES, O JOVEM — Isto, seguramente, convém dizer.

ESTRANGEIRO — Ora, não sabemos que somente o político e o sábio legislador têm esse privilégio de, auxiliados pela musa da ciência real, poder imprimir tal opinião nos espíritos formados pela boa educação de que falávamos há pouco?

SÓCRATES, O JOVEM — Pelo menos é verossímil.

ESTRANGEIRO — Mas, Sócrates, jamais daremos os títulos em questão a quem não tenha esse poder.

SÓCRATES, O JOVEM — É justo.

ESTRANGEIRO — Muito bem. Uma alma enérgica não se suavizaria quando penetrada assim de verdade, e não se abriria mais espontaneamente às ideias de justiça, enquanto antes se fechava numa ferocidade quase bestial?

SÓCRATES, O JOVEM — Sem dúvida alguma.

ESTRANGEIRO — Mas que dizer do natural moderado? Estas opiniões não o tornariam verdadeiramente sóbrio e prudente, pelo menos tanto quanto o requer a vida em cidade, ao passo que, privado das luzes que apontamos, atrairia a si, com justiça, a humilhante fama de tolo?

SÓCRATES, O JOVEM — Perfeitamente.

ESTRANGEIRO — Não será necessário afirmar, agora, que este laço jamais unirá de maneira durável, nem os maus, entre si, nem os maus com os bons, e que ciência alguma jamais pensará seriamente em servir-se de pessoas desta espécie?

SÓCRATES, O JOVEM — Como pretendê-lo, com efeito?

ESTRANGEIRO — É somente entre caracteres em que a nobreza é inata e mantida pela educação que as leis poderão criar este laço; é para eles que a arte criou esse remédio; ela é, como dizíamos, o laço verdadeiramente divino que une entre si as partes da virtude, por mais dessemelhantes que sejam, por natureza, e por mais contrárias que possam ser pelas suas tendências. SÓCRATES, O JOVEM — É verdade.

ESTRANGEIRO — Quanto aos demais laços puramente humanos, já não é difícil concebê-los, uma vez criado esse primeiro laço, nem, havendo-os concebido, realizá-los.

SÓCRATES, O JOVEM — Como assim, e de que laços se trata?

ESTRANGEIRO — Daqueles que se criam, entre cidades, pelos casamentos que elas autorizam e pela troca de seus jovens; e, entre particulares, pelos casamentos que contratam. Ora, a maioria contrata essas alianças em condições desfavoráveis à procriação.

SÓCRATES, O JOVEM — Como?

ESTRANGEIRO — Tem-se em mira, nessa ocasião, a riqueza e o poder. Tal fato merece mesmo a honra de uma crítica?

SÓCRATES, O JOVEM — Nem mesmo.

ESTRANGEIRO — Faríamos melhor em falar das pessoas a quem preocupa o cuidado da raça e em mostrar qual o erro de sua maneira de agir.

SÓCRATES, O JOVEM — Exatamente.

ESTRANGEIRO — Ora, eles agem fora de todo bom senso, buscando apenas o comodismo imediato e, unindo-se a seus semelhantes, cheios de aversão pelos outros, deixam-se guiar sobretudo por suas antipatias.

SÓCRATES, O JOVEM — Como?

ESTRANGEIRO — Os moderados procuram naturezas semelhantes às suas, escolhendo tanto quanto possível suas mulheres nesse meio, e aí casando seus filhos; assim fazem também os da raça enérgica, querendo encontrar natureza igual à sua, enquanto uma e outra raça deveriam fazer o contrário.

SÓCRATES, O JOVEM — Como e por quê?

ESTRANGEIRO — Porque é natural à energia, que permanece durante muitas gerações sem mistura nenhuma com o caráter moderado, manifestar-se com toda violência de sua força no início, para degenerar finalmente em verdadeiras loucuras furiosas.

SÓCRATES, O JOVEM — É o resultado provável.

ESTRANGEIRO — Por outro lado, uma alma demasiado reservada que, em lugar de se unir à audácia enérgica, se reproduz sempre a mesma durante muitas gerações, torna-se excessivamente fraca terminando num estado de completa enfermidade.

SÓCRATES, O JOVEM — Isso, também, parece certo.