Prometeu Fogo

MITOLOGIA — PROMETEU — FOGO

Filosofia
Paul Diel: O SIMBOLISMO NA MITOLOGIA GREGA

Com o advento do reinado de Zeus surge, como vimos, o ser humano. Ao atingir o nível consciente, o homem é chamado a assumir uma posição em relação à discórdia inicial entre espírito e matéria. A escolha do ser tornado consciente pode ser justa ou falsa; ele está como que cindido entre essas duas possibilidades. Zeus cria o homem enquanto ser espiritual, capaz de realizar a justa escolha, animado pelo impulso evolutivo, pelo desejo essencial: o Titã cria o homem enquanto ser material, apegado à terra-mãe, à matéria, capaz de realizar uma falsa escolha.

Para modelar sua criatura, Prometeu serve-se da terra lodosa. A terra é símbolo dos desejos terrestres, e a lama simboliza a banalidade. Mas, quando se trata de dar vida à sua criatura, caracterizada como aquela que sempre estará exposta à banalização, o Titã não vê outra alternativa senão recorrer ao princípio espiritual que não se encontra à sua disposição. Para apoderar-se dele, deve buscá-lo na região do Olimpo, onde está guardado todo princípio de vida, até mesmo o fogo-intelecto, forma inferior do espírito-luz. O intelecto sob sua forma positiva, ainda que subordinado à força iluminadora do espírito, constitui, no entanto, a via evolutiva que conduz ao espírito. O Titã não conseguirá trazer a luz do Olimpo, nem mesmo se propõe a isso; somente o fogo, o espírito sob sua forma utilitária, está ao alcance do Titã-Intelecto; porém, mesmo este deve ainda ser roubado. Zeus não confiará a chama olímpica, o intelecto sob sua forma positiva, ao Titã revoltado.

A região olímpica representa o ideal evolutivo, o fim supremo, em direção ao qual tende o desejo essencial (princípio de vida) e seu impulso de espiritualização-sublimação. O intelecto utilitário, enquanto orientado em direção ao espírito, participa do impulso espiritualizante. Mas esse sentido positivo se conforma unicamente ao símbolo “Fogo do Olimpo” (ou chama, símbolo do entusiasmo que sobe em direção ao espírito). Roubado de Zeus, o fogo perde sua significação de força espiritualizante: Prometeu, o Titã revoltado, só consegue dar vida à sua criatura com a ajuda do fogo roubado. Trazido pelo Titã revoltado e usado para animar o ser formado de terra e lama, apegado quase exclusivamente aos desejos terrestres, o fogo roubado simboliza o intelecto reduzido a um meio de satisfação dos desejos múltiplos, cuja exaltação é contrária ao sentido evolutivo da vida, à “vontade de Zeus”.

A vontade de Zeus não se opõe à vivificação do homem com a ajuda do fogo-intelecto, à criação evolutiva do ser consciente. A vitória de Zeus sobre o Deus-Titã, Crono, significa que o ser consciente já foi criado e animado pela chama, inflamado pelo impulso de continuar a evolução em direção a uma lucidez cada vez maior, orientada da vida consciente à vida supraconsciente. O roubo do fogo, símbolo da superintelectualização banal e exaltada, não é, portanto, castigado porque Zeus estaria com ciúmes, mas porque o espírito, prevenido em relação às consequências nefastas, opõe-se à banalização.1 Os homens, enquanto criaturas prometeicas, formados de lama e animados pelo fogo roubado, realizam a revolta do Titã e não escapam à perversão.

*SIMBOLISMO DO ROUBO DO FOGO POR PROMETEU


NOTAS:


  1. Tal como no mito judaico, “Deus-Espírito” proíbe colher os frutos da “árvore do conhecimento”.