20. Aristóteles segue esta teoria no De anima I, 406b-407b e põe-lhe objeções baseado numa série de razões, mas principalmente porque pensa que nela Platão reduziu a alma à extensão (megethos). Para a sua maneira de pensar a kinesis teria de ser movimento circular (ver noesis) de tal maneira que Platão, tal como Demócrito, pôs a alma a mover um corpo por estar ela própria em movimento, em vez de ver que a alma move as coisas por ser a causa final delas e por isso pode dizer-se que origina o movimento por meio do pensamento (noesis) ou da escolha (proairesis; ibid. I, 406b). Para outras abordagens do problema da alma, feitas por Aristóteles, como a arche da kinesis, ver kinoun 8 e physis 3.
21. A seguir, trata Aristóteles o ponto de vista de que a alma é número auto-movido, teoria de outro membro da Academia, Xenócrates (ibid. I, 408b-409b; ver Plutarco, De procr. an. 1012d). Ora o número é um agregado de unidades (plethos monadon; ver Metafísica 1053a) e, além do absurdo de aplicar a teoria da fluxão, então popular, do movimento de pontos para linhas, etc. (ver arithmos), a teoria de Xenócrates parece aberta ao mesmo tipo de acusações mecanicistas feitas contra Demócrito.
22. Aristóteles vai até ao âmago das teorias pré-socráticas. A alma, é bem verdade, é um princípio motor, não no sentido mecanicista de Demócrito ou como ele entendeu as afirmações de Platão e Xenócrates, mas como a causa final; ela move pelo pensamento e desejo (De anima III, 433a-b; Metafísica 1072a-b; para algumas das dificuldades que isto envolve ver sympatheia 7). Mas não é auto-movida a não ser acidentalmente (ibid. I, 405b-406b), visto que o que move os outros não tem necessariamente de estar em movimento em si próprio (Physica VIII, 256a-258b).
23. O seu próprio tratamento, contudo, afasta-se da categoria da kinesis (que ele transfere para a physis) e move-se noutra direção. Anteriormente, durante o seu período mais platônico, Aristóteles havia tratado a alma como se ela fosse uma substância completa (Eudemo frgs. 45, 46) que pouco necessitava do corpo (ibid. frg. 41). Mas no De anima é totalmente diferente. Uma substância completa é um ser individual, um tode ti, e um destes é o «corpo vivo ou animado» (soma empsychon) composto de um princípio material (hyle) e de um princípio formal (eidos). Este último é a alma e se ela é abordada a partir da função (ergon; ver energeia) pode ser definida (ibid. II, 412b) como a primeira (i. e., não necessariamente operante) entelecheia de um corpo orgânico (ver holon).
24. Platão dá frequentemente a impressão de estar mais interessado no conceito geral de alma do que na alma individual. A prova da imortalidade já indicada desde o Fedro é exposta no sentido de abranger «toda a alma». Nos passos pormenorizados do Timeu, além disso, onde Platão descreve a composição da alma a partir dos seus elementos (35b-36b), é à Alma do Mundo (psyche tou pantos) que ele se refere; as almas individuais são versões dela de segunda ou terceira categoria (ibid. 41d). Para Aristóteles, todavia, é o ser vivo individual que é o paradigma e o método de abordagem é investigar as suas várias atividades. Deste modo ele passa a uma investigação das faculdades (dynameis) da alma de um organismo vivo.
25. Platão dividira a alma em partes (mere; ver 15) e por vezes a sua linguagem sugere que as partes da alma são realmente almas individuais dentro do mesmo ser (ver Timeu 69d-e, e a questão aberta nas Leis IX, 863b). Aristóteles também lhes chama partes mas trata-as como faculdades (ver De anima III, 433b), i. e., dynameis na acepção primária que a palavra tinha de poder para efetuar mudança noutra ou em si qua outro (Metafísica 1046a e ver dynameis 3). Há uma grande variedade destas dynameis, mas elas são o caminho mais apropriado para estudar a natureza da alma (De anima II, 415a). Aristóteles propõe-se elaborar o seu caminho a partir da threptike nutritiva e mais fundamental (ibid. II, 414a-415a), através das séries ascendentes (cada dynamis mais elevada pressupõe a existência da mais baixa), até à sensitiva (aisthetike; ver aisthesis), e finalmente até à faculdade distintiva do homem, a noetike (ver nous, noesis).
26. Aristóteles é claro sobre a questão da imortalidade pessoal. Dado que a alma é a causa formal e final de um corpo organicamente qualificado, ela não pode sobreviver à dissolução da união com esse corpo, exceto talvez, como parte da espécie (ibid. II, 415b). Mas não há nada que evite que uma faculdade da alma seja separável (chroriston; ibid. I, 408b) e isto é, na realidade, assim no caso do noûs (ibid. III, 430a). [Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters]
Agora, resumindo o que foi dito a respeito da alma, digamos novamente que a alma de certo modo é todos os seres; pois os seres são ou perceptíveis ou inteligíveis, e a ciência de certo modo é os objetos cognoscíveis, e a percepção sensível, os perceptíveis; mas é preciso investigar de que modo isto se dá. [ARISTÓTELES, De Anima, 431 b20]