Reale: eudaimonia – o novo conceito de felicidade

Excertos de REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Antiguidade e Idade Média. Volume I. 3a edição. São Paulo: Paulus, 1990, p. 91-92

Precisamente a partir de Sócrates, a maior parte dos filósofos gregos passou a apresentar suas mensagens ao mundo como mensagens de felicidade. Em grego, “felicidade” se diz “eudaimonia”, que, originalmente, significava ter tido a sorte de possuir um demônio-guardião bom e favorável, que garantia uma boa sorte e uma vida próspera e agradável. Mas os pré-socráticos já haviam interiorizado esse conceito: Heráclito escrevia que “o caráter moral [ethos] é o verdadeiro demônio do homem” e que “a felicidade é bem diferente dos prazeres [hedone]”, ao passo que Demócrito dizia que “não se tem a felicidade nos bens exteriores” e que “a alma é a morada de nossa sorte”.

Com base nas premissas que ilustramos, o discurso de Sócrates aprofunda e fundamenta de modo sistemático precisamente esses conceitos. A felicidade não pode vir das coisas exteriores, do corpo [soma], mas somente da alma [psyche], porque esta e só esta é a sua essência. E a alma é feliz quando é ordenada, ou seja, virtuosa. Diz Sócrates: “Para mim, quem é virtuoso [arete], seja homem ou mulher, é feliz, ao passo que o injusto e malvado é infeliz”. Assim como a doença e a dor física são desordem do corpo, a saúde da alma é ordem da alma [psyche] — e essa ordem espiritual ou harmonia interior é a felicidade.

Sendo assim, segundo Sócrates, o homem virtuoso entendido nesse sentido “não pode sofrer nenhum mal [kakia], nem na vida, nem na morte”. Nem na vida, porque os outros podem danificar-lhe os haveres ou o corpo [soma], mas não arruinar-lhe a harmonia interior e a ordem da alma. Nem na morte, porque, se existe um além, o virtuoso será premiado; se não existe, ele já viveu bem no aquém, ao passo que o além é como um ser no nada. De qualquer forma, Sócrates tinha a firme convicção de que a virtude já tem o seu prêmio intrinsecamente, em si mesma, isto é, essencialmente: assim, vale a pena ser virtuoso, porque a própria virtude já constitui um fim. E, sendo assim, para Sócrates, o homem pode ser feliz nesta vida, quaisquer que sejam as circunstâncias em que lhe cabe viver e qualquer que seja a situação no além. O homem é o verdadeiro artífice de sua própria felicidade ou infelicidade.

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