Religião grega, matriz da mitologia e da filosofia

A religião grega, aqui, suposta matriz da mitologia e da filosofia, constitui-se, pois, como uma religião que, toda ela, se oculta em sua progênie. Dir-se-ia até que o próprio ser da religião grega reside nesse mesmo ocultar-se em sua descendência. E, inversamente, na Grécia, a mitologia e a filosofia não emergem à luz do sol (história, consciência), senão enquanto a religião imerge nas sombras da noite (pré-história, inconsciente). A poesia e a filosofia devoram a religião, nutrem-se do materno corpo de seu próprio ser. É o reverso do que se nos depara no hesiódico mito de Crono, que não entendia como persistir e subsistir, sem que devorasse seus próprios filhos.

A mitologia grega é, pois, a mitologia que surge (por hipótese ainda não confirmada, e não sabemos se confirmável) de uma religião, cuja essência implica o vir a ser uma filosofia. Ora, ao que nos dizem, a filosofia que a religião grega veio a ser – foi, sucessivamente, uma fisiologia, uma antropologia e uma teologia. E esta é uma das diferenças entre a mitologia e a filosofia: o que a filosofia há-de ser sucessivamente, é-o a mitologia simultaneamente. Mas nem assim se pode afirmar que a filosofia se deduz ou decorre da mitologia. Pois não é esta uma imagem do natural mais uma imagem do humano mais uma imagem do divino. Não é uma soma da qual, por subtração, se obtém uma ou outra das parcelas. (Eudoro de Sousa, “Sempre o Mesmo acerca do Mesmo”)

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