- Rocha Pereira
- Francis Wolff
- Eggers Lan
- G.R.F.Ferrari
Rocha Pereira
Excertos da Introdução de Maria Helena da Rocha Pereira, à sua tradução da “República”
Aqui, porém, insere-se o que tem sido chamada «a grande digressão»1 da República, e, como tal, considerado por vezes uma parte mais tardia do diálogo. O que sucede é que, na melhor tradição literária grega2, a discussão é interrompida no começo do Livro V; e voltamos a ver o agrupamento de figuras do proêmio, e a mesma arte de movimentar. É a ocasião em que Polemarco combina com Adimanto interromper Sócrates, para o forçar a explicar-se melhor sobre a comunidade de mulheres e filhos, anunciada em IV. 423e-424a.
E esse ponto que vai ser esclarecido, com grandes rodeios e precauções, expressas na metáfora das vagas marinhas, ao longo do Livro V. Primeiro, far-se-á a proposta de que as mulheres, podendo ter a mesma capacidade dos homens, devem tomar parte nos cargos diretivos da cidade; segundo, expor-se-á o complicado sistema pelo qual se realizarão os casamentos e a procriação na classe dos guardiões, de molde a obter o mais alto grau de eugenia; a terceira, a mais temível das vagas, consiste em proclamar a condição necessária para que tal Estado se torne realizável: que seja governado por filósofos3. A afirmação conduz, naturalmente, à definição do que seja um filósofo e à distinção, com que encerra o livro, entre saber e opinião, entre o «amigo do saber» (philosophos) e o «amigo da opinião» (philodoxos)4.
Francis Wolff
Eggers Lan
G.R.F.Ferrari
- Chambry: La République V 449a-451b – Prólogo
- Chambry: La République V 451b-457b – Lugar da mulher no Estado
- Chambry: La République V 457b-462a – Comunidade das mulheres nos guardiões
- Chambry: La République V 462a-466d – A unidade do Estado
- Chambry: La République V 466d-471c – Problema da guerra
- Chambry: La République V 471c-480a – Os filósofos no governo do Estado
- Jowett: REP V 449a-451b — Continuação de República IV
- Jowett: REP V 451b-457b — Lugar da mulher no Estado
- Jowett: REP V 457b-462a — Comunidade das mulheres e das crianças nos guardiões
- Jowett: REP V 462a-466d — A unidade do Estado
- Jowett: REP V 466d-471c — Aplicação aos problemas da guerra
- Jowett: REP V 471c-480a — Filósofos na cabeça do Estado
V. Goldschmidt, que divide a obra platônica, sob o ponto de vista estrutural, em diálogos aporéticos e diálogos acabados, considera característica destes últimos o que denomina «détour essentiel» e especifica (Les Dialogues de Platon, p. 163): «Estes diálogos apresentam «alongamentos» cujo acesso nos fica vedado, se os considerarmos como digressões. Cada diálogo propõe-se tratar um assunto, do qual o desvio não se afasta, se não para o delimitar melhor». Também P. Shorey, What Plato Said, p. 225, considera esses passos como «a pedra angular» da construção completa. ↩
No Canto XI da Odisseia, a narrativa dos errores de Ulisses perante a corte dos reis dos Peaces, principiada no Canto IX, é interrompida, porque, observa o herói, não é possível contar tudo e são horas de descansar (328-332). Mas Alcínoo pede-lhe que a continue (362-376), o que ele faz, até a deixar completa no final do Canto XII. (Pomos de parte, naturalmente, as múltiplas e justificadas dúvidas levantadas pela crítica homérica quanto às interpolações deste Canto XI, pois são irrelevantes para a época de Platão). Por outro lado, o «segundo prólogo» nas tragédias é uma prática conhecida dos leitores de Eurípides. ↩
A bibliografia sobre a posição dos historiadores e sociólogos modernos quanto ao filósofo-rei (philosophos-basileus) pode ver-se em P. Friedländer, Plato, 3, pp. 482-483, n. 41. ↩
Em grego, a oposição dos dois conceitos é mais clara, pois se exprimem ambos por compostos, cujo primeiro elemento é comum (philo-). Não é demais acentuar a importância desta definição de filósofo, tanto mais que há boas razões para crer que o composto não ascende a Pitágoras, como uma tradição numerosa, mas tardia, fazia crer até há pouco tempo, mas que se originou no ensino da Academia. Sobre este assunto, veja-se a n. 26 ao Livro V, infra, e o que escrevemos em Estudos de História da Cultura Clássica, P, p. 187 e bibliografia citada na n. 8 da p. 185. (Na 8.a ed., 1998. pp. 245-247 e bibliografia citada na nota 8 da p. 212.)
Note-se que o filósofo que aqui se define não é, como diz E. Havelock, Preface to Plato, p. 281, «um membro de uma escola de pensamento entre outras escolas, equipado com doutrinas expressas em fórmulas convenientemente sistematizadas», mas, «no fundo, um homem com capacidade para o abstrato» (ibidem, p. 282), ou melhor ainda, na expressão de J. E. Raven (Plato’s Thought in the Making, p. 128), «nada menos do que o homem perfeito, que une na sua pessoa todas as virtudes humanas que possam conceber-se». ↩