Rompimento da Unidade Primordial

CONCLUSÕES RESUMIDAS DE STAUDACHER, DIE TRENNUNG VON HIMMEL UND ERDE, TÜBINGEN, 1942 (HC, § 21)

O mito da separação das duas grandes regiões cósmicas é universal: Staudacher (1942) descreveu as variantes disseminadas pelo mundo inteiro — tribos africanas, Egito Antigo, Grécia Moderna, literatura babilônica e judaica, Hurritas e Fenícios, na índia, Sibéria, Ásia Oriental, Indonésia, Melanésia, Austrália, Nova Zelândia, Polinésia e no continente americano. A todos os mitos de separação é comum a ideia de que o Céu, antes do começo da ordem atual das coisas, estava muito mais próximo da Terra, criando uma situação muito desvantajosa para os homens, que só podiam deslocar-se rastejando e, não podendo desenvolver-se até à sua estatura normal, se encurvavam lentamente. Falta a vegetação e os homens definham de fome; as nuvens que preenchem o estreito espaço entre os dois amolecem a terra, e a chuva devasta os campos de caça. Cita-se mesmo um caso em que o Céu chega a devorar os homens, correndo todos o perigo de serem exterminados. Quando o Sol já existe, a sua forçada imobilidade acarreta imensas desgraças. Refere-se que vim traço especialmente caraterístico do estágio anterior à separação é o da obscuridade perpétua e impenetrável. Por seu lado, também o sentimento do Céu e da Terra é o de que a União os prende e oprime: separarem-se é a solução. Móbil principal do ato decisivo parece que seja a «conquista da luz». Antes de cometê-lo, os homens reúnem-se em concilio. Primeiro, ninguém se acorda sobre o modo de proceder, ninguém ousa cumprir o grande trabalho; são muitas as tentativas que falham, até que, finalmente, um o consegue, aplicando todas as suas forças. Quando o Céu se afasta, obedecendo a uma ordem, é necessário o repetido pronunciamento da palavra de comando. Umas vezes, a separação resulta do arremesso de pedras, de tiros de flecha, ou por meio de varas ou de estacas; outras, o Céu é repelido por grande fumaça, uma queimada, ou pelas artes de um feiticeiro. Todavia, o mais frequente é que a separação se efective por intervenção de um «ser» que pode dispor ou necessitar do auxílio de plantas, animais, homens ou deuses. A pessoa do próprio «separador» apresenta-se sob diferentes aspectos: o Sol representa muitas vezes esse papel (Marduk é uma divindade solar). Em numerosos casos, a separação opera-se pelo corte do membro que, até então, ligava o Céu e a Terra (tubo, monte, árvore, liana, corrente, escada, arco-íris, menir, cordão umbilical). Também este ato é caraterizado como enormemente difícil, por todos os meios de que dispõe a arte narrativa dos «primitivos». Céu e Terra podem estar ligados no corpo de um ser vivente, monstruoso (dragão, polvo), que o herói-separador terá de matar. Também não é raro que o Céu e a Terra sintam a separação como aniquilamento e peçam misericórdia à pessoa que intenta separá-los. Caso único é aquele em que o Céu deseja o próprio aniquilamento, no interesse dos homens; poucos aqueles em que o Céu e a Terra se apartam espontaneamente e sem alheio auxílio; mas, aqui, sempre precede uma querela entre ambos. Ou o Céu se separa da Terra, indignado com a ingratidão e a pecaminosidade dos homens, ou foge, sabendo dos seus planos insidiosos. Terminado o drama da separação, removidos foram os males que antes pesavam sobre os homens: os habitantes da Terra obtêm sua liberdade e poderão, daí por diante, desenvolver-se sem entraves; a Terra devêm frutífera, nasce nova vida vegetal e animal; cessa a fome e a chuva mortífera. Porém, o mais importante é o surgimento da luz e do sol, que separa o dia e a noite. Em algumas versões, à separação associa-se o motivo do paraíso: a proximidade do Céu também apresenta suas vantagens, e os traços positivos da existência anterior à separação resumem-se numa vida de delícias, em completa ociosidade. Neste caso, é claro que são inteiramente negativas as consequências da separação e o distanciamento do Céu e da Terra aparece como efeito de algum equívoco ou transgressão; digamos, de um pecado original.