Sof 222b-223b: O Sofista faz a caça aos jovens ricos

Teeteto – Que queres dizer com isso?

Estrangeiro – A caça dos marchadores compreende duas grandes divisões.

Teeteto – Quais são?

Estrangeiro – A dos animais domesticados e a dos selvagens.

IX – Teeteto – Como! Há também caça aos animais domesticados?

Estrangeiro – Sem dúvida, no caso de incluirmos o homem na classe desses animais. Formula a hipótese que te aprouver: ou não há animal domesticado ou há, real mente, mas o homem é selvagem; ou então, se consideras o homem um animal domesticado, não admites que possa haver caça ao homem. Declara qual dessas hipóteses é mais do teu agrado.

Teeteto – Nesse caso, Estrangeiro, sou levado a admitir que somos animais domesticados e declaro que há, rea1mente, uma caça ao homem.

Estrangeiro – Então, assentemos, desde já, que também é dupla a caça aos animais domesticados.

Teeteto – Em que apoias tua proposição?

Estrangeiro – Definamos a pirataria., o tráfico de escravos, a tirania e a arte bélica em geral como pertencentes à caça violenta.

Teeteto – Ótimo.

Estrangeiro – Os discursos do foro, das assembleias populares, a arte da conversação, englobaremos numa só classe, a que daremos o nome de arte da persuasão.

Teeteto – Certo.

Estrangeiro – Declaremos, ainda, que a arte da persuasão comporta dois gêneros.

Teeteto – Quais serão?

Estrangeiro – Uma caça é particular, e a outra, pública.

Teeteto – São dois, realmente, os gêneros.

Estrangeiro – E na caça aos particulares, uma parte não é feita mediante salário, e outra por meio de presentes?

Teeteto – Não compreendo.

Estrangeiro – Pelo que vejo, ainda não atentaste na caça aos amantes.

Teeteto – De que jeito?

Estrangeiro – É que, além de apanharem a presa, cumulam-na de presentes.

Teeteto – É muito certo o que dizes.

Estrangeiro – Demos, pois, a essa espécie o nome de arte de amar.

Teeteto – Perfeitamente.

Estrangeiro – Porém da arte com base no salário, a modalidade que se manifesta nas conversas, com o simples fito de agradar, e que só usa o prazer como isca, sem nada mais exigir para sua subsistência, acho todos nós concordaríamos em qualificá-la como aduladora ou simplesmente arte recreativa.

Teeteto – Sem dúvida nenhuma.

Estrangeiro – E a modalidade que promete ensinar a virtude por meio da conversação e que se faz pagar em espécie, não merecerá, como gênero à parte, denominação especial?

Teeteto – Como não!

Estrangeiro – E que nome há de ser? Não te disporás a achá-lo?

Teeteto – E muito fácil. Acho que encontramos o sofista. Designando-o desse modo, penso atribuir-lhe o nome mais acertado.

X – Estrangeiro – Assim, Teeteto, de acordo com presente exposição, parece que essa parte da arte priativa, em sua variedade aquisitiva, de caça, de aos animais, aos animais vivos, aos de terra, aos domésticos, ao homem, ao cidadão particular, com imposição de salário e em troco de dinheiro, aparentemente instrutiva, a caça que visa a apanhar mancebos ricos e de famílias ilustres, conforme indica a presente exposição, deverá ser denominada sofística.

Teeteto – Exato.