Estrangeiro – Consideremos também o seguinte, pois o que procuramos não participa de uma arte simples, senão de múltiplas facetas. De tudo o que expusemos até agora, só nos surgiu um simulacro, como se o sofista não fosse o que acabamos de dizer, mas pertencesse a gênero diferente.
Teeteto – Como assim?
Estrangeiro – A arte aquisitiva compreende duas espécies: uma, na base de donativos, e a outra na de compra e venda.
Teeteto – Sim, digamos isso mesmo.
Estrangeiro – Acrescentemos, ainda, que esta última, a de compra e venda, é também dupla.
Teeteto – De que jeito?
Estrangeiro – Uma parte consiste na venda direta da produção; a outra é a troca de produtos de origem diferente.
Teeteto – Perfeitamente.
Estrangeiro – E então? As trocas efetivadas na cidade e que abrangem quase metade dessas transações, não constituem a atividade própria dos varejistas?
Teeteto – Certo.
Estrangeiro – E a outra modalidade, de trocas efetuadas entre cidades diferentes, por meio de compra e venda, não define à justa os mercadores?
Teeteto – Como não?
Estrangeiro – Porém já não observamos que no comércio há uma parte em que se vende e compra, e que serve para uso e alimento do corpo, e outra para uso da alma?
Teeteto – Que queres dizer com isso?
Estrangeiro – Talvez ignoremos a que diz respeito à alma, pelo fato de conhecermos muito bem a outra.
Teeteto – Isso mesmo.
Estrangeiro – Declaremos, então, que a arte da música em geral, sempre que é levada de cidade em cidade, comprada aqui, transportada e vendida acolá; a, pintura, a arte da prestidigitação e muitas outras que se relacionam com a alma e são transportadas e vendidas ora como simples meio de deleitação, ora para fins mais sérios, conferem aos que as compram e vendem, com o mesmo direito com que o faz o comércio de alimentos e de bebidas, o nome de negociantes.
Teeteto – Nada mais certo.
Estrangeiro – E a quem vai de cidade em cidade, e compra conhecimento por atacado, para trocá-lo por dinheiro, não designarás pelo mesmo nome?
Teeteto – Com toda a segurança.
XI – Estrangeiro – E a uma parte desse comércio de mercadorias da alma, não caberia, com justiça, a denominação de ostentação, como a outra, não menos risível do que a primeira e que também vende conhecimentos, não precisará ser designada por algum nome relacionado com sua atividade?
Teeteto – Perfeitamente.
Estrangeiro – Sendo assim, daremos um nome à secção desse comércio de conhecimentos que entende com o conhecimento das outras artes, e nome diferente à que se ocupa com a virtude?
Teeteto – Como não?
Estrangeiro – Tráfico de artes é a designação mais indicada para a primeira; quanto à outra, procura tu mesmo nomeá-la.
Teeteto – E por que nome poderíamos defini-la sem perigo de errar, se não for justamente pelo que procuramos, o gênero sofístico?
Estrangeiro – Não há outro. Então, resumamos tudo isso, para dizer que, pela segunda vez, a sofística se nos revelou como a parte da aquisição, da troca, do comércio, do tráfico, do negócio de mercadorias da alma relativo aos discursos, aos conhecimentos e à virtude política.
Teeteto – Perfeitamente.